Santistas e turistas comemoram marca de dois milhões de passageiros do bonde

NILTON SÉRGIO 

“Vossos olhos serão o espelho da história”. Com essa frase marcante, o personagem Senhor Saudade, encarnado pelo ator Miguel Escandon, recebeu os primeiros passageiros do passeio especial que celebrou os dois milhões de visitantes da linha turística e os 114 anos dos bondes elétricos em Santos, na manhã desta sexta-feira (28).

Escandon, conhecido na Cidade por também representar o Zé Corneteiro, estava vestido a caráter e contando histórias antigas dos bondes e da Cidade (confira abaixo mais sobre a trajetória dos bondes elétricos e da linha turística).

Os santistas e turistas que vieram ao bonde nesta sexta ganharam bilhetes comemorativos dourados para guardar.

Também testemunharam o lançamento do áudio-guia, sistema que permite, por meio dos alto-falantes, a descrição de cada ponto turístico do Centro Histórico, com gravações feitas pelos guias da Secretaria de Empreendedorismo, Economia Criativa e Turismo (Seectur). Por meio de QR Codes, os passageiros poderão acessar as versões em inglês, espanhol e em Libras (vídeos no YouTube). Alguns celulares são fornecidos no início do passeio para passageiros que necessitarem.

Vindo do Rio de Janeiro para visitar a Cidade com a família, Daniele Inês Souza da Silva, 42 anos, se sentiu honrada em integrar a celebração histórica e fez questão de mostrar o bilhete comemorativo. “O passeio foi maravilhoso, muito informativo. E achei o Centro Histórico limpo e bem preservado”.

Parcela incontável desses dois milhões de passageiros foi transportada pelas mãos seguras do motorneiro Ricardo de Souza Dias, 54 anos, que está na linha turística desde a inauguração, em 2000, o mais antigo dos condutores em atividade. “É uma satisfação atingir esta marca. Mostra que o trabalho deu certo. Quando tudo começou, não tínhamos dimensão que chegaria a tanto”.

Motorista por formação, Ricardo recorda que para aprender a ser motorneiro foi capacitado no Rio de Janeiro, no bonde do Morro de Santa Teresa. “Já vivemos muitas histórias aqui. Vimos pessoas se conhecerem no bonde e até casamentos se formarem. Também testemunhei gravações de novelas e séries e conheci celebridades como Tarcísio Meira e Ana Paula Arósio. É uma grande honra trabalhar no bonde”.

O secretário-adjunto de Empreendedorismo, Economia Criativa e Turismo, Braz Antunes, declarou que sente orgulho de presenciar o bonde atingir a marca de dois milhões de passageiros. “É sem dúvida um dos equipamentos mais queridos por turistas e pelos próprios santistas. Ele é parte muito importante da revitalização do Centro Histórico”. 

Comemoração continua no sábado com cerveja artesanal nos passeios 

Neste sábado (29), a comemoração continua com gostinho especial no percurso. As cinco marcas da Rota da Cerveja Artesanal (Jurássica, Filomena, Estiva, Everbrew e Santista) terão especialistas nos elétricos para demonstrar ao público, com direito à degustação, harmonização de cervejas artesanais com petiscos. Delícias doces e salgadas serão harmonizadas com cervejas dos tipos brown ale, IPL (India Pale Lager), stout, session IPA (Indi aPale Ale) e witbier.

Assim como ocorreu nesta sexta (28), o bonde estará com meia tarifa (R$ 3,50 e grátis para crianças de até cinco anos no colo e guias de turismo em monitoria de grupo). Os ingressos são limitados e estão à venda na bilheteria do Museu Pelé (Largo Marquês de Monte Alegre s/nº, Valongo). 

Conheça a história do início dos bondes elétricos e da linha turística santista

O dia era 28 de abril de 1909. Por volta das 11h, Santos testemunhou a primeira viagem dos bondes elétricos, ao som da Banda de Música Municipal. Os seis veículos em operação transportaram autoridades e convidados ilustres, como o pintor Benedicto Calixto e o sanitarista Saturnino de Brito, partindo da Rua São Leopoldo, no Centro Histórico, até São Vicente, via orla da praia.

O percurso foi concluído em 48 minutos e colocou a Cidade em sintonia com o que havia de mais moderno em transporte coletivo no mundo à época.

Porém, a história do bonde em Santos havia iniciado em 1871, quando entrou em operação a primeira linha puxada por burros, que fazia o trajeto do Centro até a praia do Boqueirão, um ano antes de um bonde circular na capital do Estado.

A modernização veio a partir de 1904, quando o sistema foi absorvido pela The City of Santos Improvements Company, também responsável pelos serviços de luz e gás na Cidade. Em fevereiro de 1909 a empresa começou a comprar materiais e veículos apropriados para o sistema elétrico, iniciando no mesmo mês a colocação de trilhos na Avenida Ana Costa.

As dificuldades para manutenção dos veículos e as facilidades do transporte a diesel resultaram na finalização do transporte de bonde na cidade em 28 de fevereiro de 1971.

LINHA TURÍSTICA

Quase 30 anos se passaram até que os elétricos vivessem um renascimento com a criação, em setembro de 2000, da Linha Turística do Bonde, que neste mês atinge a marca histórica de dois milhões de passageiros.

A linha turística oferece uma verdadeira viagem no tempo por diversos pontos de interesse histórico e cultural. Com saída da Estação do Valongo (Largo Marquês de Monte Alegre) - prédio de 1867, da primeira ferrovia paulista -, os elétricos dos séculos 19 e 20 percorrem o Centro Histórico, em roteiro monitorado por guia de turismo.

Os passeios são realizados de terça a domingo, das 11h às 17h. O ingresso custa R$ 7 e é comprado na bilheteria do Museu Pelé (Largo Marquês de Monte Alegre). Grátis para crianças até cinco anos no colo e guias de turismo em monitoria de grupo. Meia-tarifa para maiores de 60 anos, professores e estudantes.

VEÍCULOS

São veículos originais, procedentes da Escócia, Portugal e Itália, que garantem a Santos o primeiro Museu Vivo Internacional de Bondes da América Latina. Os motorneiros e condutores vestem réplicas do uniforme original da época em que os bondes eram o principal meio de transporte na Cidade.

Todos os bondes que fazem o passeio pelo Centro Histórico de Santos foram submetidos a uma completa restauração antes de iniciar a operação no circuito. Um trabalho realizado por equipe especializada da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), baseado em pesquisas históricas.

O grupo de profissionais, que reúne mecânicos, eletricistas, carpinteiros, funileiros, pintores e engenheiro, realiza a manutenção diária dos veículos antes que comecem a circular e também se encarrega da reforma pela qual passa cada carro, após longo período em circulação.

A história dos bondes está também preservada com o Museu Internacional Vivo dos Bondes de Santos. Do acervo fazem parte 13 carros de várias nacionalidades. Do total, nove passaram pelo processo de restauração. 

Confira os bondes do acervo de Santos

• Bonde Votorantim - fabricado na década de 1920, nos Estados Unidos, operou no antigo Distrito de Votorantim, voltado ao transporte de operários. Atualmente aguarda recursos para restauração.
• Bonde Porto 137 - operava na cidade do Porto (Portugal), tendo sido fabricado na década de 1920, nos Estados Unidos.
• Bonde Gilda - fabricado em 1938, percorreu as principais avenidas de Nova Iorque até o ano de 1946. Chegou aos trilhos de São Paulo no final dos anos 40. Ganhou o apelido de Gilda em alusão à atriz Rita Hayworth, diva do cinema americano que encantou o mundo com o filme Gilda.
• Bonde do Porto 193 - Fabricado nos anos 20 nos Estados Unidos, possui 23 lugares, se encontra em fase final de restauração.
• Bonde Café - O elétrico de 1958, doado pela Prefeitura de Turim (Itália) é uma autêntica cafeteria sobre trilhos.
• Bonde do Porto 224 - Construído no final dos anos 1920 para Portugal, tinha sistema de janelas 'semiconvertibles', que melhorava a circulação de ar evitando doenças pulmonares da época.
• Reboque 38 - Com capacidade para 42 passageiros, entrou em operação na linha em 2016.
• Bonde 46 Praia - Fabricado pela SMTC nos anos 50. Está na Praça das Bandeiras, no Gonzaga.
• Bonde Arte - Com decoração interna inspirada na arte concreta, que remete aos anos 1930 e 1950. Tem 36 lugares para eventos e ocasiões especiais.
• Bonde Japão/Café - Construído em 1953, foi doado pela cidade de Nagasaki (Japão), onde circulou durante 60 anos. O veículo de prefixo 206 atualmente circula como Bonde Café.
• Bonde fechado 40 ou Bonde Camarão - De mecânica original escocesa, de 1911. Foi projetado nas oficinas da SMTC.
• Bonde aberto 32 - Construído em 1911, o bonde 32 é o mais antigo elétrico em circulação no País. De procedência escocesa, pode levar até 45 passageiros e inaugurou a Linha Turística em 2000. Uma das principais características dele é a presença de estribos duplos laterais, que facilitavam o acesso das mulheres ao transporte público da época.
• Reboque pequeno 01 - Réplica do antigo bonde de tração animal, de 1871, adaptado para funcionar como reboque. Está em fase final de reforma/restauração para voltar a integrar a frota da linha turística em breve.

Fotos: Nathalia Filipe, Isabela Carrari, Marcelo Martins, acervo Fams e arquivo/PMS