Clínica-escola em Santos oferece ambientes especiais para a autonomia de autistas
Jackson de Paula
Somos parte desse mundo, não um mundo à parte. A mensagem em um painel, instalado logo após a porta de entrada do Centro de Reabilitação e Estimulação do Neurodesenvolvimento (Cren), exibe o significado do trabalho de saúde pública desenvolvido no prédio da Rua Heitor Penteado, 80, Marapé.
Primeiro espaço 100% SUS (Sistema Único de Saúde) do País, a clínica-escola do autista, como é chamada, atende 120 pessoas com transtorno do espectro autista. O espaço desenvolve a sociabilização e promove a autonomia para a realização de atividades cotidianas.
Neste sábado (2), Dia Mundial de Conscientização Sobre o Autismo, alunos e pais comemoram os efeitos positivos do trabalho desenvolvido na unidade.
O encaminhamento à clínica santista, considerada referência nacional, é feito pelas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) da Cidade. Após avaliação de um pediatra ou clínico geral, o paciente é integrado à lista de espera do Cren. A administração é feita de forma compartilhada pela Prefeitura de Santos e a organização social USC Saúde.
Assim que chega ao local, o paciente percebe que a frase do painel de entrada ganha ainda mais sentido. A valorização do ser humano e a preocupação com a qualidade de vida estão espalhadas por 12 salas de atendimento, duas de integração sensorial e uma de intervenção precoce. Além disso, há dois espaços diferenciados: a sala de estimulação sensorial e a sala de atividades de vida diária (AVD), uma casa modelo, com banheiro, cozinha, sala e quarto, simulando as tarefas do dia a dia.
Distribuídos atualmente entre 116 jovens e quatro adultos, os pacientes frequentam a clínica de uma a três vezes por semana. Os atendimentos duram de três a quatro horas diárias, sempre no contraturno escolar (no caso das crianças e dos adolescentes), nos períodos da manhã ou da tarde. O atendimento é realizado por 40 profissionais das áreas de Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Nutrição, Assistência Social, Psicopedagia, Educação Física, Odontologia e Psiquiatria.
"Com nosso trabalho multidisciplinar, detectamos quais são as habilidades preservadas do paciente, além dos déficits comportamentais. Criamos, então, um plano terapêutico singular (PTS) para ele. Esse plano definirá a carga horária na unidade e em quais terapias ele precisa passar", explicou a diretora da clínica, Thamyres Figueiredo.
PACIENTES
A avaliação dessas necessidades utiliza a metodologia ABA (Applied Behavior Analysis), de intervenção comportamental, que cria situações capazer de gerar aprendizados para situações rotineiras. Um desses cenários foi criado pelo psicólogo Guilherme Dal Secco com o jovem Rhyan Santos, 11 anos. Por meio de um jogo de cartas, treinou-se a tolerância em relação à frustração, sentimento comum no cotidiano de qualquer pessoa.
"O objetivo dessa atividade é modelar o comportamento para, em um momento de perda, a criança obter um comportamento mais adequado. Jogar até o final e parabenizar o adversário pela vitória, por exemplo, são formas de saber lidar com a frustração. Esse cenário é, inclusive, adaptado para outros momentos da vida dele", explicou o profissional.
O pequeno Rhyan, por sua vez, disse que gosta da dinâmica e também de outras atividades desenvolvidas na clínica. "O jogo de cartas e a nossa conversa são legais. Também gosto de brincar de pega-pega e de futebol na quadra", contou o jovem, que mora com a mãe, Zenilda Santos, na Vila Mathias.
Durante o horário de atendimento, os familiares e acompanhantes dos pacientes podem participar de grupos que visam trocar experiências e orientar sobre as atividades desenvolvidas em casa, visando a autonomia do paciente. Quando necessário, também são realizados encaminhamentos para a assistência social.
Marli Sousa Amorim, 54 anos, moradora do Saboó, acompanha o filho Daniel, 11, sempre às quintas-feiras, das 8h20 ao meio-dia, comemora a evolução do jovem, que chegou ao Cren em agosto do ano passado.
"A vida do Daniel mudou completamente. Digo que hoje ele está 95% melhor, muito mais independente e seguro nas decisões. Agora ele fala que eu posso confiar nele. Meu filho está até mais vaidoso, gosta de passar creme no cabelo e agora também vai ao dentista regularmente. A autoestima dele é outra", contou a mãe.
Outro paciente que demonstrou nítida evolução desde que chegou à clínica foi Fernando, 12 anos. Segundo a mãe, Andressa Cristóvão, o desenvolvimento do filho no dia a dia é visível. Para ela, a integração do Cren com as escolas é fundamental.
"O Cren realiza um acompanhamento junto às escolas de cada paciente. Isso é maravilhoso para o desenvolvimento das crianças, até porque muitas unidades de educação passam a desenvolver uma atenção especial aos alunos com autismo. O trabalho da clínica é excelente e uma referência nacional", observa a moradora da Ponta da Praia.
No caso de pacientes adultos, a clínica ainda realiza um trabalho de inserção ao mercado de trabalho. O espaço desenvolve atividades que potencializam suas habilidades profissionais.
ESTRUTURA
Inaugurada em outubro de 2020, a clínica-escola fica em uma área de 500m² da antiga escola estadual Braz Cubas. O local é totalmente acessível, com térreo e mais um pavimento, incluindo elevador, corredores e portas adaptados. Tudo para um atendimento com excelência, incluindo cores com baixo estímulo nas paredes, evitando impacto visual e oferecendo mais conforto aos pacientes.
O espaço também conta com horta, pátio coberto, quadra esportiva, brinquedoteca, sala de brinquedos e consultório odontológico.
VAGAS
No momento, as 120 vagas estão preenchidas. As reavaliações são realizadas semestralmente, quando toda a equipe multidisciplinar verifica se o paciente atingiu os objetivos propostos no plano terapêutico singular.
Dessa forma, avalia-se a possibilidade de encaminhamento para outros serviços da rede do Município, em caso de alcance dos objetivos, ou permanência no Cren por mais seis meses até a próxima avaliação. No segundo semestre de 2022, de acordo com a administração, novas vagas poderão ser liberadas.
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