Veja como Santos prepara 250 refeições por dia para pessoas em vulnerabilidade
Patrícia Fagueiro
As atividades começam cedo na cozinha da Seção de Nutrição (Senutri) da Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds). Às 7h, de domingo a domingo, panelões já estão no fogo para garantir as cerca de 250 refeições diárias servidas no almoço e no jantar nos equipamentos voltados a pessoas em vulnerabilidade social, em especial pessoas em situação de rua. Pouco tempo depois de os fogões estarem acesos, a Rua 7 de Setembro, na Vila Nova, é tomada pelo aroma agradável de comida caseira.
A equipe do Santos Portal acompanhou o preparo das refeições e juntou-se aos usuários da Seção de Acolhimento e Abrigo Provisório de Adultos, Idosos e Famílias em Situação de Rua (Seacolhe-AIF) no almoço. Como as refeições são direcionadas para uma quantidade flutuante de público, pouco antes de a cozinha entrar em funcionamento é necessário checar com cada unidade a previsão de quantas pessoas serão servidas naquele dia. O objetivo é adequar a quantidade a ser enviada de forma a satisfazer os usuários e evitar desperdícios.
Na cozinha da Senutri, são preparados o almoço e o jantar a serem servidos no Seacolhe-AIF, na Seção Abrigo para Adultos, Idosos e Famílias em Situação de Rua (Seabrigo – AIF) e Núcleo de Atendimento Integrado (NAI), que atende menores de idade em conflito com a lei. Para a Casa Dia Mãezinha Joana, que recebe idosos em situação de vulnerabilidade, a Senutri envia almoço e sopa diariamente. Nos fins de semana e feriados, a Seção de Acolhimento de Criança e Adolescente (Seacolhe/CA) também recebe as refeições, com o descanso da cozinheira da unidade nestas datas.
Quando o número de abrigados pela Prefeitura aumenta e é necessário colocar em funcionamento o Abrigo de Emergência, a produção da Senutri cresce. O mesmo acontece com o funcionamento da Casa de Inverno nos meses mais frios.
O café da manhã e o lanche da tarde são feitos nos equipamentos, bem como as saladas, com ingredientes que são encaminhados paras as unidades. A preparação é feita por pessoas que passam por capacitações anuais ou de acordo com as necessidades voltadas à manipulação de alimentos. Para o Centro Pop, equipamento voltado para a realização de atividades que visem a ressocialização de quem está nas ruas, a Senutri encaminha sanduíches de queijo e presunto individualmente embalados e identificados com etiqueta, na qual é inserida também a data de validade.
Há oito anos, Ailton Garcia Rodrigues é um dos cozinheiros responsáveis pelas delícias que dão força e energia para aqueles que estão reconstruindo suas vidas. “Quem é cozinheiro faz as coisas com amor, não se deve transportar nada de ruim para a cozinha. Nós não temos contato direto com quem prova a comida, mas os operadores sociais às vezes nos dão retorno, elogiam a comida e essa é a nossa maior gratificação”, garante ele, que tem intimidade com a cozinha desde muito jovem.
DISTRIBUIÇÃO
Por volta das 10h30, cada alimento é generosamente proporcionado pelos cozinheiros de acordo com a quantidade de refeições levantadas no início do dia. Cada alimento é colocado de forma separada em grandes cumbucas de alumínio com tampa, que, após preenchidas, são imediatamente colocadas dentro das hot boxes – caixas térmicas utilizadas em cozinhas industriais que têm o poder de manter a temperatura da comida por muitas horas. Afinal, as entregas são realizadas uma vez por dia e é necessário que à noite a comida ainda esteja quentinha.
Uma equipe da Prefeitura inicia a distribuição por volta das 11h, com veículo a serviço da Seds. Ao meio-dia, o almoço é servido. A estratégia de enviar separadamente cada alimento e servi-lo em esquema de buffet permite ao usuário do equipamento escolher o que deseja comer e em que quantidade.
Em um dia da semana passada, por exemplo, o cardápio do almoço foi composto por arroz, feijoada e farofa com couve. No Seacolhe-AIF, houve quem comesse um primeiro prato diversificado e depois repetisse apenas a feijoada. “Respeitamos os mais variados gostos: há pessoas que preferem comida mais molhada, com mais caldo. Também calculamos uma porção individual grande, pois é uma população que sente bastante fome, diferente do perfil de quem trabalha em uma indústria e se alimenta no refeitório da empresa, por exemplo”, explica a nutricionista da produção, Thiara Pereira Carvalho.
Cuidado e carinho
O cardápio é cuidadosamente elaborado por Thiara, de forma a proporcionar combinações com equilíbrio nutricional, garantindo sempre um tipo de proteína diferente no almoço e no jantar. A comida é preparada com temperos naturais e ervas.
No Natal e no Ano Novo, por exemplo, chester, pernil, arroz e farofas especiais compõem o cardápio. “Nosso objetivo é que essas pessoas fiquem fortes, se mantenham saudáveis e que este alimento também traga conforto, pois o alimento está muito relacionado à parte emocional e de lembranças. Aos domingos, costumamos servir frango assado para que se sintam em casa. O que mais queremos é que se sustentem da melhor maneira”, destaca Thiara.
Outra preocupação da profissional é como a identificação do sabor da comida ocorrerá. Pessoas com histórico de alcoolismo e fumo costumam desenvolver distúrbio no paladar e comidas com tempero caprichado se tornam mais atraentes. “O cardápio é feito mensalmente, mas está sujeito a alterações se percebemos que podemos introduzir uma preparação diferente. Avaliamos a preferência dos nossos usuários e procuramos atender aos mais variados gostos. Geralmente cozinhamos os legumes junto com a carne ou o frango, por exemplo. Percebemos que há uma aceitação melhor junto ao caldo do que se fosse servido separadamente”, exemplifica.
Tá na mesa!
Ao meio-dia, a Seacolhe-AIF abre as portas para os usuários que passaram a noite no equipamento e se credenciaram para receber o almoço. São pessoas que apenas dormem lá e passam o dia na rua, muitas vezes procurando emprego ou fazendo atividades que visem sua capacitação profissional. Em fila, aguardam a vez de serem servidos por um profissional da seção de acolhimento, responsável por colocar no prato o alimento escolhido e na quantidade desejada. Laranjas são ofertadas como sobremesa. Não raro, usuários repetem a refeição.
O cuidado no preparo dos alimentos, com opções por temperos naturais e ervas, pouco sódio (a carne seca da feijoada, por exemplo, foi trocada por paleta em formato de cubo) e com nutrientes variados também ajuda a manter a saúde. Que o diga Renato do Espírito Santo, de 60 anos, que nasceu diabético e atualmente também é hipertenso. “A comida servida aqui é ideal e nutritiva. Mesmo a feijoada, que pode ser considerada mais pesada, não me faz mal. Com exercícios e uma boa alimentação, é possível passar dos 60 anos com visão e função renal boas”, destaca Renato, lembrando o quanto a qualidade do alimento é fundamental para que os diabéticos evitem complicações da doença.
Há pouco mais de um ano, Emerson Júnior Moraes dos Santos, de 46 anos, almoça diariamente no Seacolhe-AIF. Ele considera a comida “gostosa e nutritiva” e revela a preferência pelo “estrogonofe e frango assado”, que são servidos aos finais de semana. Há dois meses, ele faz parte do Programa Fênix, por meio do qual recebe uma bolsa-auxílio e trabalha em uma escola da Prefeitura de Santos. No futuro, pretende tirar a habilitação de moto e realizar entregas solicitadas via aplicativo, mercado que está em franca expansão no Brasil.
Para conhecer melhor o Programa Fênix e o trabalho desenvolvido nos abrigos do Município, acesse a página do Programa Novo Olhar.
Fotos: Rogério Bomfim