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Dia da Síndrome de Down: santista mostra autonomia ao dedicar a vida à carreira, arte e lazer

Publicado: 21 de março de 2024 - 16h46

Caterina Montone

“Chega de estereótipos, abaixo o capacitismo”. O tema deste ano pensado pela ONU para o Dia Internacional da Síndrome de Down, celebrado nesta quinta-feira (21), convida a sociedade a ‘pensar fora da caixa’ e deixar qualquer estigma para trás. E, para isso, não é necessário ir muito longe: em Santos, cidade que promove a inclusão, muito por meio do esporte e da cultura, há alguém que reflete muito bem sobre esse novo entendimento.

Mas o que é um estereótipo? Baseados em uma ideia pré-definida, nem sempre concreta, tal rótulo pode marcar alguém de forma negativa. A pessoa com Síndrome de Down, trissomia do cromossomo 21 ou simplesmente T21, em muitos casos, é tratada como criança, incapaz e frequentemente passa por situações em que é subestimada. A verdade é que cada um de nós, independentemente da condição, tem a própria identidade, interesses individuais, sonhos, talentos e preferências.

É o caso de Rafael Moura de Oliveira, ou simplesmente ‘Harmonia’ (como se autodefine), de 36 anos, que leva uma rotina agitada, mas sempre com bom humor e muita vontade de celebrar a vida, como sempre fez. Durante o tempo livre, Rafa gosta de passear, apreciar a natureza e frequentar barzinhos, mas não dispensa um bom bate-papo para falar do seu time: o Santos FC. “Sou santista de nascença e futebol. Meu coração é do Pelé”.

ROTINA

De segunda a sexta-feira, ainda bem cedo, quando o céu ainda está deixando ser clareado, o assistente de administração sai da Ponta da Praia, bairro onde vive, para bater o ponto, às 9h, na Bandeirantes Deicmar - Logística Integrada (Alemoa), onde desempenha sua função com excelência. Ocupando um lugar na recepção, ele é encarregado de receber e organizar documentos e minutas, cadastrar transportadores de cargas e visitantes e distribuir capacetes para promover a segurança de quem trabalha na empresa do ramo logístico.

Além de tudo isso, Rafael ainda arranja tempo para brincar e elogiar os colegas de trabalho, mais especificamente Luciene de Souza, a Lu, 40, Felippe Alfonso, 35, e Acácio Ferreira, 33. “São os meus parceiros, paixões e amigões de vida. Aqui, às vezes, eu dou uma zoadinha com eles, mas sempre eu abraço, dou um beijinho e ajudo a todos”, explica Rafael, enquanto apresenta os amigos.

Às 13h, depois de concluir sua jornada no trabalho, o assistente de Administração volta para casa, onde mora com a mãe, Marilene Moura. Após o almoço e um rápido cochilo, é hora de ver os amigos do Projeto TamTam, no Centro Cultural Patrícia Galvão, na Vila Mathias. É quando o relógio bate às 16h que Rafael sobe as escadas do prédio sorrindo e cumprimentando todos os voluntários e colegas do projeto inclusivo, que leva arte e entretenimento à sua vida há dezenove anos. É lá que pratica jazz, teatro, balé e outros cursos. Inclusive, esbanja orgulho ao lembrar de quando viajou para Portugal para se apresentar em uma peça. “Aqui, eu encontro esperança. Foi um novo mundo que eu descobri”, declarou. Emocionado, lembrou-se também de quando comprou um chaveiro com o nome do país para o primo, que hoje ‘está no céu’.  

Aos finais de semana, ele ainda aproveita para jogar conversa fora, comparecer aos aniversários de amigos e curtir um bom pagode. A rotina de Rafael é como a de qualquer outra pessoa, mas o que chama atenção mesmo é o hábito de valorizar os simples momentos em um dia cheio. “Minha hora favorita do dia é quando vejo minha mãe, minha irmã e sobrinha. Eu sou tio também”.

SONHOS

Para o futuro, Rafael quer continuar trabalhando e cada vez mais progredir na carreira como assistente de Administração. Mas, na vida pessoal, pretende se casar e ter uma família. “Acho que casamento é muito legal e importante se for com uma pessoa que você ama”.

Em maio, Rafa vai tirar férias e não consegue esconder os planos de conhecer novos lugares e fazer passeios que está planejando há um bom tempo. “Vou viajar e quero passear muito. Estou feliz”, frisou.

APOIO E ADMIRAÇÃO

Do outro lado, quem acompanha Rafael em sua rotina sabe que não faltam motivos para admirá-lo. O sentimento surge devido à sua capacidade de levar amor, paz e alegria a quem precisa, sem mesmo pedir. Faça chuva, sol ou aconteça algo não esperado, é o Rafa que oferece um ombro amigo ou aquele elogio que uma pessoa merece ouvir. No ambiente de trabalho, é Luciene, ou Lu, da recepção, que reconhece o carinho.

“É uma pessoa linda de se conviver e um parceiro que chamamos de incógnita - mas de um jeito bom. É porque ele tem esse alto astral não importa o momento. Às vezes, ele me elogia do nada e, quando vejo um colega triste, chamo o Rafa e logo tudo melhora. Quando entrei, ele já trabalhava aqui e a cumplicidade surgiu rapidamente. Um ajuda o outro e também compartilhamos muitos conhecimentos”.

Quem demonstra ter orgulho de Rafael é o supervisor de segurança Leandro Salvador, 38. “A gente está muito feliz por tê-lo na equipe porque é um profissional competente e dedicado, que tem autonomia e serve de exemplo para todos nós pelo comprometimento. Acompanho o desenvolvimento dele de perto e sempre digo que gosto demais de trabalhar com ele”.

Já na arte, quem expressa palavras verdadeiras de afeto e companheirismo é a psicóloga, professora e coordenadora de atividades do Projeto TamTam, Claudia Alonso. “Falando de uma forma absolutamente humana, o Rafael é um presente. Ele ama o que ele faz e só nos traz alegria. Precisamos entender que, mesmo existindo rótulos e estigmas para comportamentos, todo mundo tem a sua diferença e a sua particularidade. Sempre pratico não só com ele, mas com os demais alunos, a compreensão de que há potências diferentes, mas que temos que colocá-las para dançar junto, cantar no coral ou fazer um balé”.

PERTENCIMENTO SOCIAL

“Estamos na era da inclusão, da luta anticapacitista, com leis e políticas afirmativas que garantem o pertencimento social e oportunidades equitativas entre todos. E, em Santos, podemos contar com movimentos sociais e a parceria do poder público com entidades subvencionadas na prestação de serviços para o desenvolvimento e qualidade de vida das pessoas com T21. Hoje, pessoas com Síndrome de Down, por lei, devem ter seus direitos sociais, civis e políticos garantidos para que possam ter participação irrestrita na sociedade”, frisa a coordenadora de Políticas para Pessoas com Deficiência da Prefeitura de Santos, Cristiane Zamari.  

A educação inclusiva é um direito da pessoa com T21, segundo a Lei Brasileira de Inclusão (LBI). O Município garante a inclusão dessas pessoas nas salas de ensino regular, com os demais alunos.

Para este ano, o tema escolhido pela ONU para celebrar a data - ‘Chega de estereótipos, abaixo o capacitismo’ - que está no calendário brasileiro desde 2022 e tem como principal objetivo levar conscientização ao público, reflete sobre o fato de que o ser humano é único e, por isso, ninguém com T21 deve ser definido apenas pela condição genética, mas sim por todas as suas características e potencialidades.

Rafael deixa um recado ao refletir sobre o atual momento da sua vida. “Não sou bobo. Não quero que tenham pena de mim. Eu trabalho, faço teatro e sou um homem crescido. Eu sou Down e mereço respeito. Nós temos que ser tratados como qualquer outra pessoa. O mundo fica melhor quando está mais aberto, quando as pessoas pensam fora da caixinha”.

E para continuar seguindo com essa realidade, Rafa participa de iniciativas em diversas áreas que promovem ações abrangentes à pessoa com T21.

INICIATIVAS

Seja pelos movimentos de uma dança, a paz que o ato de criar uma nova pintura leva ou a adrenalina após uma onda surfada, cada atividade de arte e esporte, ligada à Prefeitura, foi pensada em prol da saúde e do bem-estar de cada um dos praticantes. Mas não podemos esquecer dos alunos, que esbanjam talento e trilham o próprio caminho, de acordo com as próprias preferências. Confira abaixo:

Projeto TamTam

O projeto multidisciplinar, que recebe fomento mensal pela Prefeitura, fará 35 anos em 2024. O TamTam é referência na luta pela inclusão, diversidade e saúde mental por meio do acesso à cultura, arte e educação. De portas abertas e com muita alegria, o espaço cultural recebe todo o público oferecendo cursos de literatura e poesia, Libras, teatro, costura, jazz, balé clássico, dança contemporânea, musicalização e coral.

Atualmente, o TamTam tem 165 pessoas matriculadas em diversas aulas, sendo que 32 são pessoas com Síndrome de Down. Além disso, o projeto promove eventos artísticos na Cidade, por todo o país e internacionalmente.

Para saber sobre a abertura de vagas e mais informações, o interessado pode entrar em contato pelo WhatsApp da iniciativa (13) 99121-6907.

Escola de Surfe Adaptado

Santos é o berço do surfe e foi pioneira no mundo ao inaugurar a Escola Pública de Surfe Adaptado, localizada no Posto 3 (Gonzaga), em 2020. A iniciativa, que nasceu da Escola Radical de Surfe do Posto 2 (Pompeia) existente já há 33 anos, é um equipamento da Prefeitura que, em parceria com a Blue Med Saúde, oferece aulas adaptadas do esporte gratuitamente. As aulas são realizadas em grupos de três a, no máximo, quatro alunos de forma semanal.

Os interessados podem se inscrever e serão chamados conforme a disponibilidade de vagas, sendo distribuídos em turmas de um dos quatro programas anuais, denominados Programa Verão (de janeiro a março), Programa Outono (de março a junho), Programa Inverno (de julho a setembro) e Programa Primavera (de setembro a dezembro).

Para mais informações, é possível entrar em contato de segunda a sexta, das 8h às 12h, pelo WhatsApp da escola (13) 98852-4352 (somente mensagens).

Mais esportes

Além do Surfe, outras modalidades são oferecidas gratuitamente pela Seção de Esportes Adaptados (Sespad), ligada à Secretaria Municipal de Esportes (Semes). Entre elas há basquete (pessoas com deficiência intelectual e TEA), bike indoor, hidroginástica, natação, musculação e tênis de mesa (para pessoas surdas), que podem ser praticadas em centros esportivos da Semes.

Para saber sobre vagas e mais informações como os endereços dos locais onde os esportes são oferecidos, o próprio interessado ou seu responsável legal pode entrar em contato com a Sespad pelo telefone (13) 3269-8080. Após falar com o telefonista da seção, um retorno será realizado para que possam ser tiradas todas as demais dúvidas.

A SÍNDROME DE DOWN

A condição é gerada por uma alteração genética, mais especificamente pela presença de uma terceira cópia do cromossomo 21 em todas ou parte das células do organismo, chamada de trissomia. As pessoas com Síndrome de Down, ou trissomia do cromossomo 21, ou mesmo T21, possuem 47 cromossomos em suas células em vez de 46, como a maior parte da população.

O Dia Internacional da Síndrome de Down, celebrado em 21 de março, faz parte do calendário brasileiro desde 2022 e tem como principal objetivo levar conscientização ao público. Sobre a data, há uma curiosidade: não foi escolhida por acaso - o vigésimo primeiro dia do mês de março faz analogia à trissomia do cromossomo 21.

Esta iniciativa contempla o item 10 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU: Redução das Desigualdades. Conheça os outros artigos dos ODS