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Times de Santos têm história de luta contra o racismo e ligações fortes com o continente africano

Publicado: 20 de novembro de 2022 - 7h58

Ivan Belmudes

A presença dos quilombos e de figuras históricas na luta pela liberdade como Pai Felipe, Quintino de Lacerda e tantos outros homens e mulheres negras marcaram Santos na busca pela igualdade e pelo fim da escravidão. E essa luta parece ter influenciado os principais times de futebol da Cidade: Santos F.C., Portuguesa Santista e Jabaquara. Os três possuem uma história no combate ao racismo e ligações fortes com o continente africano. 

No caso do Santos F.C., essa ligação é fácil de entender, conhecendo seu ataque dos sonhos. O próprio folclórico ex-jogador José Macia, o Pepe, refere-se a si mesmo como o único “banco infiltrado”, na inesquecível linha formada por Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe.

Isso sem contar as diversas excursões do Santos pela África. O Peixe jogou 21 vezes em 13 diferentes países do continente africano, sendo o mais famoso o confronto na região de Benin, na Nigéria, quando o time parou a guerra civil para que o jogo acontecesse.

O craque Abel, que estava neste jogo, relata que os jogadores avisaram antes da partida “se tiver guerra, nós não jogaremos” e assim, para que os jogadores do Santos desfilassem seu talento, o conflito foi paralisado. “Quando pegamos o avião e fomos embora, era possível já escutar os tiros, só pararam para nos ver jogar”. 

Vale ressaltar ainda que o Santos é um dos apoiadores do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, que reforça a ligação histórica do clube com a causa antirracista. 

PORTUGUESA SANTISTA

Um dos grandes feitos de um clube de futebol contra o racismo teve a Portuguesa Santista como grande protagonista e parece mesmo que o clube é predestinado para a causa, a começar pela data de fundação, 20 de novembro (mesma data em que é comemorado o dia da Consciência Negra). E coube justamente à Briosa ser o primeiro clube no mundo a enfrentar o Apartheid.

Os simbolismos não param por aí. Em 1959, a Briosa fez uma excursão para o continente africano, e justamente no dia 13 de maio (data marcada pela abolição da escravatura no Brasil) enfrentaria a seleção da Cidade do Cabo, na África do Sul. 

Acontece que desde 1948 o país africano mantinha em vigor o Apartheid (que significa “separação” em africâner – um dos idiomas falados no país). Esse regime político, imposto por parlamentares brancos, impunha centenas de leis segregacionistas, que impunham diversas restrições de liberdade aos negros, considerados como “pessoas inferiores”. Entre essas imposições estava a proibição de negros disputarem partidas de futebol com brancos.

Foi neste cenário lamentável que os dirigentes da Briosa receberam, ainda no vestiário, a informação de que os jogadores Nenê, Guilherme e Bota não poderiam entrar em campo. Os jogadores fizeram jus ao apelido do time de “a mais briosa” e enfrentaram os dirigentes sul-africanos. A decisão era: “Ou jogam todos ou não joga ninguém!”.

E assim aconteceu, a Portuguesa não enfrentou os sul-africanos e se tornou com isso a primeira equipe do mundo a boicotar o Apartheid, entrando para a história como símbolo do enfrentamento ao racismo. 
A equipe foi homenageada por Nelson Mandela, além de receber a fita azul, honraria máxima concedida para as equipes brasileiras após campanha expressiva no Exterior, e os parabéns do então presidente Juscelino Kubitschek em um pronunciamento oficial.

JABAQUARA

O Jabaquara Atlético Clube é sempre ligado à colônia espanhola. O que poucos sabem é que o Leão da Caneleira possui também forte ligação com a comunidade negra santista, a começar pelo nome, uma homenagem ao bairro que abrigou o famoso Quilombo do Jabaquara, o segundo maior do Brasil, perdendo apenas para o de Palmares. 

O nome, que faz alusão ao antigo quilombo, só surgiu em 1942,  quando o clube foi obrigado a mudar de nomenclatura, devido à entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Anteriormente, o time, fundado em 15 de novembro de 1914, se chamava Hespanha Foot Ball Club. E a escolha do nome tem uma curiosidade. Na reunião de escolha, foi um homem negro, até hoje não identificado, que deu a sugestão em homenagem ao país ibérico, justamente por perceber que os espanhóis eram a maioria entre os reunidos. 

O jornalista e ex-presidente do Jabaquara A.C., Sérgio Silveira, pesquisador e autor de livros sobre a história do clube, suspeita que o responsável pela escolha tenha sido o zelador Zé Domingues, dono da casa em que aconteceu o encontro, mas não existe nenhuma comprovação material do fato.

Silveira explica que apesar do nome, o time era muito mais do que um representante da colônia espanhola em Santos. “O time teve fundadores espanhóis, portugueses e muitos brasileiros de todas as origens e entre eles muitos eram pessoas negras. Todos participaram das decisões do clube e inclusive perfilaram nas primeiras escalações do antigo Hespanha”.

Cabe lembrar ainda que um dos mais importantes jogadores da história do Corinthians, considerado também um dos maiores craques que passaram pelo Jabuca, era um homem negro e nascido em Santos. Trata-se de Osvaldo Silva, o Baltazar, também conhecido como o "Cabecinha de Ouro", devido à sua técnica excepcional para cabecear a bola, resultando em muitos gols para o Leão e para o time paulistano.

Silveira não esconde a admiração pelo craque. “O Baltazar teve um momento espetacular, se destacou tanto que logo foi para o Corinthians. Com certeza marcou época”.