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Repleta de histórias, Zona Noroeste é local da primeira atividade econômica de Santos

Publicado: 31 de agosto de 2019 - 14h09

MARIA ESTELA GALVÃO 

Uma região antes pantanosa, local de um dos primeiros engenhos de cana-de-açúcar do País – o Engenho dos Erasmos, do Matadouro Municipal, por onde passavam bondes puxados a burros e, depois, trens elétricos. Em franco desenvolvimento, a Zona Noroeste de Santos completou 43 anos oficialmente no último domingo (25), mas as memórias relacionadas àquela imensa área e relatadas por muitos de seus 120 mil moradores mostram que sua história remonta ao início do crescimento da Cidade.

Afastado do Município, o que normalmente ocorria com esse tipo de instalação, o Engenho dos Erasmos causou a povoação gradativa do entorno. Construído a mando de Martim Afonso de Souza, então governador da Capitania de São Vicente, foi inaugurado em 1534, no início da manufatura açucareira em larga escala no Brasil. Em 1540, já vivia seu período de apogeu, mas entrou em decadência por volta de 1620, perdendo para o açúcar do Nordeste e muitos ataques piratas. Continuou produzindo açúcar para exportação, rapadura e aguardente, funcionando provavelmente até o século 18.

‘’O Engenho dos Erasmos, que ocupou uma das poucas áreas de terra firme da Cidade, é o terceiro engenho de cana-de-açúcar do País e que ainda existe. Na verdade, foi a primeira atividade econômica da região’’, frisa o diretor da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams), Sérgio Willians. Conhecido como Monumento Nacional Ruínas Engenho São Jorge dos Erasmos, é tombado pelo patrimônio histórico em todas as esferas. Foi doado à Universidade de São Paulo (USP) em 1958 e, desde 2004, desenvolve programas educacionais no contexto histórico, geográfico, social e ambiental em que as ruínas estão inseridas.

André Müller de Mello, biólogo e educador do engenho, explica que o local é um dos poucos testemunhos preservados da colonização portuguesa no País e do contato dos colonizadores com indígenas e africanos escravizados no começo do século 16. O espaço recebe de 9 a 11 mil visitantes por ano, entre estudantes, professores, historiadores e pesquisadores de vários cantos do País e do mundo.

BONDE

Ainda longe de acompanhar o desenvolvimento do restante da Cidade, a região onde hoje está a Zona Noroeste era passagem entre as vilas de Santos e São Vicente. Em 1875, surge a primeira linha de bonde a tração animal ligando as duas cidades. A responsável pelo serviço era a empresa Emmerich & Ablas, dos empresários Jacob e Antonio Emmerich e Henrique Ablas. O bonde passava pelo que bem mais tarde seria a Avenida Nossa Senhora de Fátima e pelas instalações de um pequeno matadouro.

‘’Em 1886, depois que os Emmerich resolveram fazer o trem, a linha de bonde puxada a burro ficou abandonada’’, conta Willians. Em 1909, com a inauguração dos bondes elétricos na Cidade, o transporte ganhou novo perfil. A estrangeira City, que já administrava serviços públicos em Santos, fez com que o Município virasse referência nacional em bondes. Surgiu a linha 1, ligando Santos a São Vicente pelo traçado da atual Av. Nossa Senhora de Fátima, e a linha 2, que chegava a São Vicente pela praia.

MATADOURO

Importante referência para a Cidade e inaugurado oficialmente em 1916, o Matadouro Municipal funcionou até o final da década de 1960 na Nossa Senhora de Fátima, onde hoje é a sede do Serviço Social da Indústria (Sesi). Os animais vinham de São Vicente, de trem, para serem abatidos. ‘’Àquela época, a Cidade crescia principalmente em função do café e o consumo de carne aumentava. Eles precisavam de um local para abater o gado’’, explica o diretor da Fams.

Mas, sem controle sanitário, o abatedouro teria que funcionar longe do centro urbano. Era década de 1920 e a ocupação da Zona Noroeste ganhava força. Os impactos da Via Anchieta Com a Cidade consolidada e os primeiros prédios da orla da praia já erguidos, a Zona Noroeste chega à década de 1940 com alguns poucos moradores em sítios.

Surgem grandes construções como o Cemitério da Areia Branca, mas a obra da primeira pista da Via Anchieta, inaugurada em 1947, respondeu por grande parte da ocupação da região. Segundo Willians, com os cortiços, morros e vilas operárias lotados, a ocupação da Zona Noroeste crescia. ‘’A obra da Anchieta levou muita gente para lá. Depois veio a segunda Anchieta, em 1953, e com o Polo Industrial de Cubatão, estourou de vez. As pessoas não iam morar em Cubatão. Iam para a Zona Noroeste, já estruturada’’.

CEMITÉRIO

Terceiro cemitério público da Cidade e considerado o primeiro grande empreendimento da Prefeitura na Zona Noroeste, o Cemitério da Areia Branca surge na mesma época. Foi inaugurado na gestão do prefeito Antonio Feliciano, em 27 de agosto de 1953, no bairro que começava a se formar de maneira organizada. O nome “areia branca” faz menção ao solo da região, de areia de cor clara. O primeiro sepultamento ocorreu apenas no dia 4 de setembro.

VIDA NA REGIÃO

Quem conhece bem a história não apenas da Areia Branca ou do cemitério, mas de toda a Zona Noroeste, é Lauro Mandira, de 86 anos, que nasceu em Iguape, no Vale do Ribeira, e veio morar no bairro aos 13 anos, em 1947. '‘Aqui não tinha nada. Era um imenso mangue e muito mato, sem luz e água. Já tinha bonde, mas só na Nossa Senhora de Fátima’’, lembra.

O pai dele, carpinteiro, limpou o terreno e construiu um chalé. E ajudou outros a fazerem o mesmo. Em muitos mutirões, segundo Mandira, os moradores abriam ruas como a que ele mora hoje, a Tomoichi Kobuchi, para que os carros pudessem passar. ‘’As pessoas iam chegando com machado, enxada. Até sociedade de melhoramentos formaram’’.

O tempo passou e Mandira casou-se com Maria dos Prazeres, de 83 anos, que chegou em 1951 a Santos, vinda de Recife (PE). ‘’Não gostei quando cheguei aqui, porque não tinha nada. Mas formamos nossa família aqui na Zona Noroeste e vimos a região crescer’’. Os bairros foram se formando e Mandira chegou a criar um clube de futebol no bairro, o Brasil Atlético Clube da Areia Branca. ‘’Parecíamos irmãos. O time não existe mais, mas tenho amor pelo bairro’’. E a esposa concorda: ‘’Adoramos viver aqui’’.

 

Perfil dos moradores vira TCC

A participação direta dos moradores para a expansão da Zona Noroeste foi justamente o tema escolhido por uma jovem estudante de Santos, também habitante e apaixonada pela região, para a Tese de Conclusão de Curso (TCC) da Faculdade de História da Universidade Católica de Santos (Unisantos). Isabela Brito, de 22 anos, formou-se em julho passado, após ser aprovada com o trabalho ‘’A expansão urbana de Santos e a emergência da Zona Noroeste’’.

Ela realizou entrevistas com moradores de vários bairros, durante seis meses, para analisar aquela imensa área santista a partir da década de 1950, sob a perspectiva da própria população. ‘’Grande parte, naquela época, veio do Nordeste, de Minas Gerais e do interior de São Paulo para trabalhar nas grandes obras que surgiram aqui. Vierem em busca de uma vida melhor, muitas vezes a convite de familiares que já moravam na região’’, contou.

Na época, os bairros sequer estavam definidos e a linha 1 do bonde elétrico só passava pela Nossa Senhora de Fátima (que seria pavimentada apenas em 1967, na primeira obra realizada pela Prodesan). O fornecimento de luz e água mal chegava à região. ‘’Os moradores foram se estabelecendo e percebendo essa dificuldade. Começaram a construir a Zona Noroeste e isso foi essencial para o que ela é hoje.’’

ANIVERSÁRIO

A Zona Noroeste ocupa uma área de 12 mil metros quadrados e é formada por 16 bairros - Alemoa, Areia Branca, Bom Retiro, Caneleira, Castelo, Chico de Paula, Ilhéu Alto, Piratininga, Porto Alemoa, Porto Saboó, Rádio Clube, Saboó, Santa Maria, São Jorge, São Manoel e Vila Haddad. A região comemora aniversário todo último domingo de agosto, por conta de lei municipal.

Fotos: Arquivo Fams.

Galeria de Imagens

Imagem aérea da Zona Noroeste. #pracegover
Imagem aérea da região.
Imagem antiga com fusca e mulher, parados próximos a área do Dique da Vila Gilda. #pracegover
Imagem antiga da área do Dique da Vila Gilda.
Homens em volta da placa de construção da ponte do Rio São Jorge. #pracegover
Construção da ponte do Rio São Jorge.