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Inaugurada Casa Belém para acolher população de rua com dependência química

Publicado: 5 de dezembro de 2013
17h 20

A cidade ganhou, nesta quinta (5), mais uma unidade para atendimento a dependentes químicos em situação de rua. A Casa Belém (avenida Rodrigues Alves, 325) foi inaugurada sob as bênçãos do bispo diocesano, dom Jacyr Francisco Braido, e do padre e fundador da Missão Belém, Gianpietro Carraro – instituição que funciona há oito anos em São Paulo e é modelo para a instalação do serviço em Santos.

Com capacidade para acolher e tratar 60 homens, a Casa Belém faz parte do Programa Recomeçar, da prefeitura, que já retirou das ruas 281 pessoas. Na entrega da unidade, o prefeito Paulo Alexandre Barbosa lembrou ações da administração na atenção à população de rua, entre elas a abertura do Centro Pop na rua Conselheiro Saraiva 13, em agosto, e início da construção de imóvel para a unidade em terreno próprio (rua Amador Bueno, 446).

O prefeito acrescentou que o governo municipal também mantem parceria com a Cristolândia (desde setembro último), que assim como a Casa Belém (prefeitura e Associação de Promoção e Assistência Estrela do Mar), cuida de dependentes químicos que estão na rua. Por fim, disse que em breve será divulgado o censo feito com esta população.

Atendimento

A Casa Belém funciona em imóvel alugado pela Secretaria de Saúde junto a Associação São Vicente de Paulo. O trabalho no local terá a retaguarda do sistema público de saúde. Quem precisar será tratado na UBS Conselheiro Nébias ou na Senat (Seção Núcleo Atenção Tóxico Dependente).

O padre Valdeci João dos Santos, diretor geral da Estrela do Mar, confirmou que seis voluntários, também ex-moradores de ruas e dependentes químicos, farão as abordagens ao segmento. Explicou que a Casa Belém aceitará pessoas trazidas por eles, encaminhadas pelo serviço público e que procurarem a entidade voluntariamente.

Conforme o padre, quem aceitar o atendimento terá 15 dias para decidir se continua ou não no programa. Os que concordarem serão encaminhados a São Bernardo do Campo, onde há 360 vagas para tratamento em três sítios. O trabalho de recuperação dura de seis meses a um ano e envolve atividades multidisciplinares, além de apoio religioso.

Voluntários

Dormindo no papelão, como costumava dizer, Charles Antônio de Moraes já foi agredido mais de uma vez, passou fome, frio e sentiu na pele os prazeres e sofrimentos provocados por todo tipo de droga.

De seus 38 anos, passou 5 perambulando por São Paulo, frequentou a cracolândia e só conseguiu forças para mudar de vida após a morte do irmão, também viciado, e com quem falou na véspera do óbito. Há 4 anos encontrou na Missão Belém, da Capital, a solidariedade e o apoio religioso necessários para vencer a dependência química e, desde então, “está limpo”.

Lembra que no começo, chorou de desespero porque sentia falta da maconha, da cocaína, crack, álcool e drogas sintéticas. “Fiz clínica geral”, diz, repetindo a gíria desse meio, empregada a quem já provou todas as substâncias. Longe do vício, agora vai usar essa experiência para coordenar a Casa Belém. “Eu sei o que eles (quem vive na rua) passam, então fica mais fácil convidar a conhecer o trabalho”, diz Charles.

Outro voluntário, Sidney da Silva, 23 anos, ficou dois anos na rua e bebia várias vezes ao dia. Se alcoolizava tanto que não consegue dimensionar a quantidade de litros ingerida. “Quando parei eu tinha pesadelos, pensava em me matar, foi um ano de sofrimento”, conta. Ele confia que essa experiência vai ser fundamental para ajudar os outros.

 

Entrevista com padre Gianpietro Carraro, criador da Missão Belém

De chinelo de dedos, jeans e camisa branca, o padre Gianpietro Carraro compareceu à inauguração da Casa Belém, que vai funcionar nos moldes da Missão Belém, um serviço que criou em 2005, na Capital, e ajuda a população em situação de rua a sair das drogas. Nascido em Sandon di Fosso, uma pequena cidade próxima de Veneza, no norte da Itália, o religioso fala de sua experiência em viver próximo de quem mais necessita de ajuda.

Como começou seu interesse com a população em situação de rua?
Em 2000 eu era pároco em uma igreja na zona norte de São Paulo e à noite saía até o Centro para ficar junto dos moradores de rua. Eles são os que mais necessitam de apoio. Até que em 2005 nós criamos a Missão Belém.

Como o senhor acredita que a sociedade vê a população de rua?
(Fica em silêncio por uns segundos). Quem está na rua é a expressão de quem não encontrou valores suficientes. A família, a sociedade e a igreja falharam. Não deram o apoio necessário para se evitar essa situação. Mas a fé sustenta e nossa recuperação tem como base a espiritualidade.

Quantas pessoas a Missão Belém já recebeu?
Pelos nossos registros, cerca de 30 mil já passaram por lá.

Vocês têm algum acompanhamento para saber quantas dessas pessoas conseguiram ficar longe das drogas e não vivem mais na rua?
Conseguimos fazer contato com mais ou menos 1.200 pessoas, e cerca de 70% estão bem, se recuperaram e não vivem mais na rua.

Qual o tamanho da rede da Missão Belém?
Nós temos 130 casas, sendo que 120 no estado de São Paulo, e temos hoje 2 mil pessoas abrigadas. A Missão Belém está presente no Brasil, Haiti e Itália.

De toda a sua experiência junto aos dependentes químicos que estão na rua, o que mais o chocou?
A coisa mais dolorosa é ver essas pessoas na beira do abismo, perdidas. O que aparece é um físico destruído, mas eles estão muito piores por dentro. A alma está quase destruída, sem qualquer autoestima. Sofrem porque têm consciência dos danos familiares que a droga causa. Qualquer um pode acabar na rua, basta perder o equilíbrio.

Fotos: Isabela Carrari