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Fantasma e outras curiosidades no segundo depoimento ao gente da cidade

Publicado: 1 de junho de 2005
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Efervescente atividade comercial, num vaivém de caminhões, saqueiros e sacos de café, que começava nas primeiras horas da manhã e prosseguia até o anoitecer. Um entra e sai sem parar na Hospedaria Rio Branco, no Restaurante Constituição, bares, quitanda, lavanderia, marcenaria e carpintaria. Amizade e colaboração entre a vizinhança. E para completar muitas histórias que atravessaram as décadas. Entre elas, uma bem pouco conhecida: a do fantasma de uma mulher de olhos azuis, longos cachos loiros e vestido branco, esvoaçante até os pés, que vez em quando aparecia no alto da escadaria do Outeiro de Santa Catarina. Parece difícil de acreditar, mas há meio século esse era o dia a dia no quadrilátero formado pelas vias Barão do Rio Branco, Constituição, General Câmara e Brás Cubas, área do Centro cujo perfil mudou radicalmente a partir do final da década de 70. Para Rosa Alvarez Vazquez, as imagens do passado estão vivas na memória e desfilam, com riqueza de retalhes, por seus olhos e gestos. Segunda entrevistada pelo Projeto Gente da Cidade – Memória Viva, ativado no mês passado pela Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams), Rosa morou, na década de 50, no piso superior da casa da Rua Visconde do Rio Branco, 48, (no térreo funcionava a marcenaria e carpintaria de seu tio Antônio). Ali teve sua filha Rosa Avelina, em 1956, e durante 10 anos trabalhou na cozinha do Restaurante Constituição, de propriedade de Ramon, seu marido, na esquina das ruas Visconde do Rio Branco e Constituição. O prédio, em cujo andar superior funcionou uma hospedaria, foi demolido para dar lugar à praça que agora circunda o outeiro. A casa onde Rosa morou foi incorporada ao patrimônio da Fams e hoje abriga no térreo a Biblioteca Catarina de Aguillar e, no 1º andar, diretoria financeira, serviço jurídico e os setores de criação, projetos e expediente da fundação. Ao gravar seu depoimento no mirante do outeiro, na manhã dessa quarta-feira (1º), Rosa reviveu lembranças e emoções. "Tinha a lavanderia do seo Nicola, a quitanda dos portugueses, a firma de transportes e pessoal de café que não acabava mais. Às 9 horas eu tinha que estar com o café pronto para eles. Café reforçado, que tinha pratos como joelho de porco". Na casa acastelada, hoje sede da Fams, construída por volta de 1884 sobre a rocha que sobrou do outeiro, morava uma família de italianos, um casal e a filha Palmira, fugidos da guerra. "Eles sempre falavam que aqui era um lugar histórico muito importante para a Cidade. E diziam que os buracos existentes na rocha foram causados pelos canhões dos navios dos corsários que amedrontavam a Vila de Santos nos séculos 16 e 17". Foi brincando na área do Outeiro, subindo e descendo sem parar as escadarias, transformando a casa acastelada em prolongamento da sua, que Rosa Avelina cresceu. "Na cozinha, o pai da Palmira escutava as notícias da Itália no rádio a manivela e muitas vezes ouvi a mãe dela, Filomena, comentar sobre os estranhos ruídos que ouvia à noite na casa". E, titubeando, com receio de ser mal interpretada, acabou por confidenciar que quando tinha cinco anos, um dia, ao entardecer, não só viu, como conversou com o que os pais disseram ser um fantasma. "Só aí eu fiquei com medo", comentou, lembrando que depois daquele dia seus pais não mais a deixaram ir à casa dos italianos após o entardecer. Ao ver aquela figura tão bela no alto da escadaria do outeiro, Rosa Avelina jura não ter ficado com medo: "Eu sentei na escadaria para conversar com ela, mas não lembro mais sobre o que falamos". Guardado na memória, o fato foi escondido até pouco tempo de Angélica, filha de Rosa Avelina, receiosa de ser desacreditada. Mas, dizem os funcionários da Fams, o local é sim povoado de estranhos barulhos e sensações. "É só ter a coragem de ficar à noite no prédio". RESGATE DA HISTÓRIA Voltado ao resgate da história local, traçando o perfil das mudanças, inclusive políticas e econômicas, ocorridas nas últimas décadas, através da experiência de vida de moradores, o Projeto Gente da Cidade – Memória Viva começou com a gravação de entrevista com o repórter fotográfico José Dias Herrera, da Secretaria de Comunicação Social. Aos 85 anos, ele é o mais antigo repórter fotográfico em atuação no País. Seu currículo inclui passagens por diversos jornais e revistas de circulação nacional, fotografando celebridades nacionais e internacionais, entre elas a trajetória de Pelé, é dele o maior acervo fotográfico do jogador. Após os trabalhos de edição, os vídeos do projeto serão disponibilizados para instituições de ensino e entidades de classe, entre outras, e serão projetados em eventos e equipamentos da Fams, e em locais de grande afluxo popular. A proposta envolve ainda o registro de depoimento de um morador de cada um dos bairros da Cidade e da área continental, assim como profissionais com larga tradição em seus respectivos segmentos. O objetivo é traçar o perfil de como era a Cidade, os hábitos que se perpetuaram e as transformações que ocorreram, com suas implicações nos mais diferentes setores, como transporte, habitação, trânsito, turismo, educação, conforme explicaram técnicos da Fams. Inicialmente, serão registrados depoimentos de moradores dos bairros da Zona Leste e de profissionais cuja atuação esteja relacionada ao Centro Histórico.