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Debate em Santos reafirma importância do incentivo público para o cinema nacional

Publicado: 24 de julho de 2022 - 19h06

“Somos fruto das leis de incentivo e do dinheiro público”. Esse foi o pensamento que orientou o debate das três convidadas no painel O Audiovisual Brasileiro Hoje: a Ficção, o Documentário, na última quinta-feira, no Teatro Guarany, dentro da programação Porto Mundo, que integrou uma série de eventos culturais durante a XIV Conferência Anual da Rede de Cidades Criativas, da Unesco, em Santos.

Ainda que cada uma em suas particularidades de ofício e realidade cultural, as diretoras Laís Bodanzky e Maria Augusta Ramos, além da produtora e gestora Debora Ivanov, concordam que suas carreiras não teriam deslanchado, ou mesmo quem sabe iniciadas, sem o apoio de legislação específica para a área, editais de fomento etc.

“Não há país no mundo com uma indústria de cinema consolidada que não conte com algum tipo de suporte governamental”, apontou Debora. "Mesmo nos Estados Unidos, Hollywood trabalha com mecanismos públicos; imagine então no Brasil, precisamos mais ainda”.

A fala da advogada, ex-diretora da Ancine e sócia da Gullane Filmes quanto à relação com cenários mais desenvolvidos no audiovisual, como também da França, vem em tempo de muita desinformação sobre Lei Rouanet e seu funcionamento, lei federal abrangente de incentivo à cultura, criada em 1991.

Para o cinema em específico, Débora lembra do Fundo Setorial do Audiovisual como primeiro passo do governo federal para estimular a área, em 2006. Desde então, outras iniciativas aprimoraram e lidaram com pontos mais particulares, ao mesmo tempo que nos âmbitos municipais e estaduais surgem mecanismos similares.

A paulistana Laís Bodanzky, pronta para lançar nos cinemas em 1º de setembro a ficção A Viagem de Pedro, seu quinto longa-metragem, relembrou dever, seu início de carreira, ao Prêmio Estímulo do governo do Estado. O edital propiciou a realização de seu primeiro curta, Cartão Vermelho, em 1995, quando buscava-se retomar a produção nacional após o trauma do fechamento cinco anos antes da Embrafilme.

“Não teria iniciado sem esse apoio, talvez mesmo desistido”, avalia a ex-presidente da SPCine, instituição de desenvolvimento de cinema que dirigiu entre 2019 e 2021. “Na época avaliava como sorte, mas agora acho um direito da classe, uma obrigação por parte dos governos; é a nossa identidade, nossas história que queremos contar na tela, com diversidade, abertos a todos os gêneros e raças”.

Ela e Débora mantêm uma antiga parceria, pois a Gullane Filmes foi aberta para produzir, em 2000, o primeiro longa da diretora, o bem-sucedido Bicho de Sete Cabeças. Neste caso, a realização também foi possível pela co-produção com a italiana Fabrica Cinema, do grupo Benetton.

A trajetória da documentarista brasiliense Maria Augusta Ramos é mais particular. Formada em Música pela UnB, ela se muda para a Holanda em 1990 e lá faz a transição para o cinema. Desde então, se engajou em projetos para a televisão pública do país, em certo momento virando seu foco para a realidade brasileira a partir de Justiça (2004). Retrato do sistema judiciário, faz par com Juízo (2008), o filme seguinte.

A recente transição política brasileira mereceu os filmes O Processo (2018), sobre o impeachment de Dilma Rousseff, e agora Amigo Secreto, ainda em cartaz, e voltado a discutir, pelo ângulo do jornalismo investigativo, os meandros da Lava-Jato. “O ‘Justiça’ existe 90% em função de dinheiro público”, lembrou.

“Se tive essa entrada nos canais públicos holandeses, ou europeus mesmo, é porque há muito a coisa foi estruturada, o que infelizmente tem mudado muito e declinado; vejo pouca condição de boas políticas públicas para que nós diretores brasileiros consigamos fazer o filme que queremos, sem intervenções ou modelos pré-definidos, comum quando o dinheiro é privado.”