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Vovós também aprendem muito ao darem aulas às futuras mães que enfrentam riscos

Publicado: 6 de março de 2001
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Casa da Gestante, Espaço Meninas, centros de convivência e centros comunitários são alguns dos equipamentos municipais onde se desenvolve um dos mais bem-sucedidos programas da Prefeitura, o ´Vovô Sabe Tudo´, que tem, entre outras objetivos, a troca de experiência entre gerações e o incentivo aos valores da vida. Do total de 25 participantes do programa, 20 são mulheres, ou seja, vovós que conhecem de tudo um pouco. Dão aulas de bordado, crochê, tricô, pintura em tecido e outras técnicas artesanais, em aulas bem práticas que ajudam no preparo do enxoval do bebê ou peças de uso doméstico, comercializadas com facilidade pelos alunos de áreas carentes. Na ´Semana da Mulher´, nada mais justo que essas vovós contem um pouco de suas vidas e desse trabalho que deu um novo estímulo às suas vidas. Três delas, Jesuína Lopes de Oliveira, 72 anos, Salomé de Jesus, 67, e Maria Isabel Nascimento Esteves, 72, tinham em comum a viuvez, os filhos criados, a vontade de melhorar a renda para não ficar na inteira ou parcial dependência dos filhos, mas sobretudo a vontade de se sentir úteis e espantar a solidão e a melancolia que vai tomando conta dos espaços da casa e da alma, quase beirando a depressão, conforme revelam. EU RENASCI DANDO AULAS Eu renasci, diz com entusiasmo Jesuína, há três anos integrada ao ´Vovô Sabe Tudo´, embora discorde do nome desse programa, já que entende que os idosos têm muita experiência, mas não sabem tudo e aprendem demais com os mais jovens. Ela não tem dúvidas que o período que dá aulas de tricô, na Casa da Gestante, localizada na Ponta da Praia, representa para ela os melhores momentos do dia. Jesuína também dá aulas em centros de convivência, mas considera o contato com as gestantes o mais gratificante. Gosta de transmitir conforto às jovens mães e também às demais gestantes que de uma forma ou de outra atravessam problemas, seja por desestruturação familiar, baixa renda, analfabetismo, dificuldades físicas, psicossociais, envolvimento com drogas ou por serem muito jovens. Cada uma tem uma história, e quase sempre com problemas. E a gente procura conversar e dar estímulo. Tivemos aqui no ano passado uma menina de 11 anos grávida. Ela brincava nos corredores com outras crianças e nem tinha idade para se concentrar nas aulas. Apesar do acompanhamento permanente, o bebê não sobreviveu a um parto prematuro, conta a vovó Jesuína, que não se espanta mais com as histórias de vida, de perdas, privações e sofrimentos, que ouve ao pé de ouvido. E isso para ela, aos 72 anos são ensinamentos valiosos. Eu fico com muita pena e procuro transmitir entusiasmo. Se eu pudesse levava todos esses bebês para minha casa, diz de forma afetuosa. Ela admite que antes do ´Vovô Sabe Tudo´ estava entrando num processo de depressão, apesar de ter o carinho de filhos e netos. Morava em Cubatão e chegou a dar aulas naquela cidade, na Fábrica da Comunidade, um programa social que desapareceu durante a gestão anterior (e que agora retorna com o nova administração). Resolveu mudar-se para Santos, deixando para trás a casa grande de Cubatão, que ficou vazia depois do casamento dos filhos e da morte do marido,cego nos últimos oito anos de vida, em razão do diabetes. Vendi a casa, comprei apartamento pequeno em Santos, mas mesmo assim, sentia muita tristeza. Chorava muito. Minha nora me estimulou a me inscrever no programa e a fazer o teste. Fui selecionada, comecei a dar aulas e adorei, revela a vovó que contou com o apoio dos filhos, dois engenheiros e uma filha professora de Matemática. Atualmente, além de dar aulas diárias, cada dia num equipamento, ainda anda na praia aos sábados. Ao ser entrevistada, estava ao seu lado, uma jovem mãe, Mirlene, 17 anos, com o bebê de 20 dias, Manólis Vagner, no colo. Ela aproveitava os últimos dias de aula, já que o projeto da Casa da Gestante permite freqüência aos cursos até 40 dias após o parto. Logo depois chegaram as outras alunas, que estavam assistindo à aula sobre o desenvolvimento do feto, em sala ao lado. Para Jesuína, os programas voltados à Saúde da Mulher da Casa da Gestante são ótimos. A gente vê como esse apoio é fundamental. Muitas vêm logo cedo porque têm dificuldades em casa e aqui a alimentação é ótima. Servem no almoço ´strogonoff´, bife à milanesa, verduras, peixe, tudo muito bem preparado, sem contar os lanches, e uma série de atividades de preparo ao parto, que ajudam muito essas meninas. INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA E MAIS ALEGRIA Entre as inúmeras qualidades que enxerga no ´Vovô Sabe Tudo´, Maria Salomé de Jesus, 67 anos, mãe de três filhos e avó de cinco netos, aponta o bem que as novas atividades deram à sua vida, em todos os aspectos. Não precisa atualmente pedir ajuda financeira aos filhos, já que está conseguindo viver com dignidade, com a aposentadoria e ajuda de um salário mínimo que recebe da Prefeitura para dar aulas diárias de quatro horas, e que permite pagar agora um plano de saúde. É muito bom a gente saber que não está pesando no orçamento dos filhos, já que eles também têm seus próprios compromissos. Isto é, pelo menos por enquanto, diz com um sorriso, garantindo que enquanto tiver forças e estiver integrada ao programa, terá essa garantia de renda. Essa independência faz bem. Salomé ensina bordado e pintura em tecido na Casa da Gestante e no Espaço Meninas. E como outras vovós também garante que a atividade lhe deu outro ânimo na vida. Nas aulas, procura conversar com as jovens, passar valores, mas nunca chamando a atenção, uma vez que existe toda uma preocupação do programa, que tem acompanhamento de psicólogas e assistentes sociais, em utilizar o artesanato e atividades de lazer, para atrair interessadas e jovens com problemas, para outras aulas que visam passar noções de saúde e de melhor estrutura às suas vidas. Tanto que a gente percebe um maior interesse nas aulas de pintura em tecido, porque o aprendizado é mais rápido, e a produção de cada uma pode ser vendida, tais como panos de prato. Isso ajuda na renda familiar, avalia. RAIVA MOTIVOU A INSCRIÇÃO Muita raiva. Esse foi o sentimento que moveu a vovó Maria Isabel Nascimento Esteve, 72 anos, a se inscrever no ´Vovô Sabe Tudo´, que representa hoje, para ela, as horas mais satisfatórias em sua vida. Tudo aconteceu porque ela havia passado por uma delicada cirurgia do coração, de onde extraiu parte de um tumor, num caso raro na medicina, e, a partir daquela data, abril de 98, seu filho Valdir não deixava ela fazer mais nada em casa. Nem exercer por alguns horas a profissão de cabeleireira, nem fazer pintura em tecido, e muito menos qualquer serviço doméstico. Infeliz, sentindo-se inútil e sob a pressão da doença no coração, Isabel achava que estava caminhando para a morte, embora tivesse muita vontade de ser útil, de fazer alguma coisa. Discutiu feio com o filho, trancou-se no quarto com muita raiva, chorou muito, pediu a morte. A filha mais nova, de 26 anos, Débora (adotada aos seis anos), mudou o seu destino. Deixou aberto na cama, o ´Diário Oficial´, onde figurava em destaque a abertura de inscrições para o ´Programa Vovô Sabe Tudo´. Escondida do filho e incentivada por Débora, foi inscrever-se para dar aulas de cabeleireiro, mas para essa área não havia vagas. Optou então por pintura em tecido e voltou para casa mais feliz, realizando dias depois o teste de seleção, com dezenas de concorrentes. Nesse meio tempo fez as pazes com o filho, viajou a passeio ao seu lado, e quando voltou da viagem havia a surpresa da convocação da Prefeitura para participar do programa. Eram tantas pessoas fazendo testes que nunca imaginei que passaria e seria chamada. Contrariando a vontade do filho, que continua preocupado com sua saúde, Isabel vem dando aulas há dois anos, participa de excursões do Cecon, sente-se bem de saúde, gosta de dar aulas, sente-se viva. Me renovei, me sinto com 18 anos, minhas roupas deixaram de mofar no guarda-roupa, e estou gastando meus sapatos. Mesmo consumindo R$ 200,00 por mês em remédios para o controle da doença, Isabel diz que a melhor terapia são as aulas que dá no Centro Comunitário do Pantanal, junto ao Conjunto Athié Jorge Coury, na URP do Morro de Nova Cintra e no Centro Comunitário da Caneleira, em quatro horas diárias, sendo que as sextas-feiras, participa, ao lado de outros integrantes do programa, de reunião semanal de avaliação e orientação no Cecon Vida Nova, no Universo Palace, com psicólogas e assistentes sociais. Até a vida familiar ao lado do filho, nora e netos Vitor e Ludmila, que ela adora, ficou melhor, assim como o prazer de assistir novelas, depois de ter saído, dado aulas, conversado com amigas, e ver seus alunos de bairros carentes produzindo peças e melhorando a renda familiar. A gente dá sentido a nossa vida.