Seu navegador não possui suporte para JavaScript o que impede a página de funcionar de forma correta.
Conteúdo
Notícias

Historiador americano estuda escravatura em santos

Publicado: 27 de julho de 2005
0h 00

A organização e a acessibilidade dos arquivos gerenciados pela Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams), assim como a qualificação e a atenção dos profissionais que atuam nesse serviço, foram determinantes para que o historiador americano Ian William Read, de 29 anos, escolhesse a Cidade como fonte de estudos para a tese de doutorado sobre escravos no Brasil Imperial (Slavery’s castes in Imperial Brazil), a ser defendida na Universidade de Stanford (EUA), em junho do próximo ano. "Os arquivos são excelentes. Os funcionários são profissionais e prestativos", afirmou nessa quarta-feira (27), antes de encerrar a quinta visita de estudos que faz ao Brasil. Santos também foi escolhida por contar com o segundo porto mais importante do país em meados do século XIX (o 1º era o do Rio de Janeiro) e de a economia, sociedade e cultura da Vila de Santos terem sido profundamente modificadas nos 67 anos entre as proclamações da Independência e da República. A indicação da Cidade também foi feita por seu professor-orientador da universidade. "Ele esteve aqui e disse que a Cidade tinha bons arquivos e vários assuntos a serem explorados". Em 2001, Ian esteve em Santos para um primeiro contato, que confirmou suas expectativas, e há dois anos começou a trabalhar na tese. Analisando documentos da Fams, dos arquivos Estadual e Nacional, da Santa Casa local, das cadeias e da Cúria Diocesana, entre outros, Ian já tem uma certeza: "O santista deve ter orgulho de sua Cidade, pois aqui começou o movimento abolicionista que depois tomou conta com País". ALFORRIA Curiosamente, a própria sede do Arquivo Permanente, que funciona na Casa da Frontaria Azulejada e onde Ian Read concentra as pesquisas, teve parte de sua história por ele desvendada. Manoel Joaquim Ferreira Netto, comerciante português que mandou construiu o imóvel em 1865, era um dos moradores da vila com maior número de escravos, mais de 50, de acordo com o apurado. Ao morrer, deixou em testamento condições para a libertação de seus escravos. Entretanto, três anos depois de sua morte, 40 deles ainda não haviam conquistado a liberdade. "Com a ajuda de um procurador, um deles abriu processo na Justiça para que o testamento fosse respeitado", explicou Ian, acrescentando que todos, depois, foram libertados. Segundo ele, só os escravos de famílias abastadas tinham condições de casar e criar família. Na Cúria há um livro de casamento de escravos que indica apenas 17 uniões formais, religiosas, entre 1837 e 1875. "Os escravos de famílias com menos recursos trabalhavam em locais mais perigosos e de maior risco". Outro dado interessante: as cartas de alforria indicam que a concessão da liberdade não foi um ato de benevolência, mas um mero negócio. "Foi um tipo de contrato de mão-de-obra, no qual o proprietário recebia dinheiro para colocar o escravo à disposição de outra pessoa por determinado tempo, antes de ser libertado". E poucos comerciantes de café se utilizaram dessa medida ou concederam alforria, a maioria preferia vender os escravos. ARQUIVOS Curiosidades é que não faltam nos mais de 250 mil documentos existentes nos arquivos gerenciados pela Fams: de concessões de cartas de data e aforamento, indispensáveis no século XIX para o uso de terras, a livros de registros de enterramentos, passando por pedidos de licença para obtenção de carta de cocheiro e para circulação de caminhão de estrume, exigidos no início do século passado, processos com plantas de imóveis e livros que contam muito da história política, econômica e social de Santos. A memória da Cidade está disponibilizada em três arquivos. No Arquivo Permanente (AP), Rua do Comércio, 96, telefone 3219-4321, encontram-se documentos datados até 1953, entre eles processos e livros administrativos e de impostos da Prefeitura, além de atas da Câmara a partir de 1822. No AP está o mais antigo documento público existente na Cidade, um contrato para a pesca de baleia, firmado em 1765. Já o Arquivo Intermediário (AI), Rua do Comércio, 87, telefone 3219-3513, abriga documentos de 1954 a 1991, como processos administrativos e livros de registro de impostos. Enquanto o Arquivo Geral (AG), embasamento da Prefeitura, telefone 3201-5015, dispõe de registros a partir de 1992. Além de santistas e de moradores de outros estados, alemães, dinamarqueses, americanos e visitantes de várias outras nacionalidades já recorreram ao AP para localizar ancestrais enterrados na Cidade. Esse arquivo também é fonte de pesquisa para engenheiros e arquitetos, interessados em localizar plantas para orientar reformas e ampliações de imóveis. Já os historiadores recorrem aos arquivos atrás de atas da Câmara, onde está registrado o dia a dia da Cidade, até 1908, a Cidade era administrada pelo Legislativo, uma vez que o Poder Executivo só passou a existir após a Proclamação da República. Recentemente, um historiador recorreu ao AP para preparar a tese de doutorado sobre o custo de vida no Império. "Como as atas da Câmara dispunham dos recibos, ele teve uma ampla fonte de pesquisa", comentou a historiadora Rita Márcia Martins Cerqueira, que atua no AP desde 1997. Já na semana passada, lembrou a historiadora, o arquivo recebeu três pesquisadores da área da Saúde em busca de dados para traçar a incidência de tuberculose nos séculos passados. O levantamento estatístico envolveu cópias de certidão de óbito e de registros dos cemitérios. CÓPIAS Por questão de segurança e visando a preservação dos documentos, sobretudo os mais antigos, as consultas aos processos, livros e atas é feita nos próprios arquivos, não sendo permitido o uso de xerocópia. A luz é a maior inimiga dos documentos, que vai, aos poucos, queimando a tinta e o papel. "São documentos únicos e de caráter público, regidos por uma legislação federal", frisam técnicos da Fams, lembrando que arquivo é prova e garantia de direito. "História é conseqüência", arrematam. O uso de máquinas fotográficas é permitido, sem qualquer restrição. Dos cerca de 250 mil documentos existentes nos arquivos, não estão disponibilizados ao público apenas dois, relativos a enterramentos no Cemitério do Paquetá. A tinta ferrogálica (à base de sulfato de ferro) corroeu o papel, que se fragmenta ao simples manuseio. Esse tipo de tinta era muito usado da metade do século XIX a meados do XX. Com o passar dos anos, em contato com o ar e a umidade, as letras corroem o papel e simplesmente caem das páginas. Esses, e outros documentos, estão embalados em papel alcalino, a título de proteção. Para manter o acervo permanente e evitar danos ao patrimônio público, a Fams mantém seis desumidificadores industriais ligados 24 horas por dia, durante o ano inteiro. De acordo com Rita Cerqueira, para preservar os documentos, a temperatura deve se manter constante entre 19 e 21º e a umidade relativa do ar oscilar entre 50 e 60%. Uma mudança das mais significativas, já que a temperatura em Santos pode variar mais de 10º em um único dia e a umidade do ar, não raro, ultrapassa 90%.