Cerimônia em reconhecimento a personalidades se transforma em celebração coletiva em Santos
Wellington Alexandre
“Eu sou porque nós somos”. O princípio da filosofia africana Ubuntu, que valoriza o coletivo, a solidariedade e a ancestralidade, ecoou na noite desta segunda-feira (16) durante a cerimônia de entrega da medalha Quintino de Lacerda, em Santos. Mais que uma homenagem individual, a noite foi uma celebração dos laços que sustentam as lutas, conquistas e memórias da população negra da Cidade e da região.
Dez personalidades que contribuíram de forma expressiva para o desenvolvimento e a inclusão da comunidade negra foram condecoradas com a honraria concedida pelo Conselho Municipal de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra e de Promoção da Igualdade Racial (CMPDCNPIR).
A cerimônia foi realizada no auditório do 5º andar do Paço Municipal, reunindo homenageados, familiares, amigos e representantes de movimentos sociais, culturais e políticos.
“Estamos muito felizes por vocês estarem aqui. São jornalistas, professores, advogados, engenheiros, pessoas que lutam pela liberdade e pelo bem-estar do nosso povo. Esse prêmio é por eles e por nós, que sempre lutamos a vida toda”, afirmou Mary Francisco de Careno, presidente do Conselho.
Antes da entrega das medalhas, membros da entidade prestaram homenagem à presidente por sua própria trajetória e liderança. Mary Francisco foi agraciada com o recém-criado prêmio Laudelina de Campos Melo (Campinas-SP).
Entre os homenageados com a medalha Quintino de Lacerda, esteve J. Muniz Jr, um dos grandes nomes do samba santista foi representado por seu filho Jadir Muniz, que compartilhou com o público um presente ao Conselho: um exemplar da obra do pai, O Negro na História de Santos. “Sei que ele está muito feliz. Esse prêmio faltava na história dele”, declarou Jadir.
A arte-educadora Urivani Rodrigues de Carvalho também expressou sua emoção ao receber a honraria. Ela destacou a importância de manter viva a história e a identidade negra.
“Ser reconhecida com essa medalha é ter a certeza de que minha trajetória e a de tantos outros que me antecederam estão sendo vistas. O que eu faço é por nós, pela nossa memória, pela nossa juventude. Eu sou porque muita gente preta caminhou antes de mim e me ensinou a não desistir”, afirmou.
Victor Augusto Matos Jacinto, ao lado de familiares, agradeceu o reconhecimento lembrando a importância dos que vieram antes. “A gente está aqui porque eles estiveram aqui. Isso é representatividade. Isso é Ubuntu. Essa medalha, na verdade, é nossa. É fruto da inquietação, da luta e do amor da nossa gente”, discursou.
Outro depoimento marcante foi o de Tânia Regina Bento de Oliveira, que recebeu a homenagem em nome do pai, João Bento de Oliveira, advogado negro formado na primeira turma de Direito da Universidade Católica de Santos. “Essa medalha representa a superação de uma história de dor e exclusão. Meu avô nasceu um ano após a abolição da escravidão. Meu pai transformou os sacrifícios dos pais em educação, em luta e em dignidade para a nossa família e para a comunidade”, disse.
A medalha Quintino de Lacerda leva o nome do líder do Quilombo do Jabaquara e primeiro vereador negro eleito no Brasil, em 1895, cuja posse foi recusada por racismo, mas garantida posteriormente pela Justiça. A história de Quintino — de escravizado a major honorário do Exército Brasileiro e referência na luta pela liberdade — inspirou os presentes a seguirem trilhando caminhos de resistência e transformação.
Ainda receberam a Medalha Quintino de Lacerda nomes como Eleno de Lemos Silva, Alessandra de Souza Franco, Rodrigo Nardelli, Luiz Roberto Colombo Barbosa, Andreia Kelly Marques e Lilian Rúbia da Costa Rocha.
A cerimônia terminou com abraços apertados, sorrisos largos e o sentimento compartilhado de que, mesmo em tempos difíceis, a ancestralidade e a coletividade são força, farol e caminho.
“Foi uma noite de memória, de luta e de afirmação. Uma noite onde o que está em jogo não é só a conquista individual, mas a caminhada coletiva que nos trouxe até aqui”, declarou a secretária da Mulher, Cidadania, Diversidade e Direitos Humanos de Santos Nina Barbosa.
Esta iniciativa contempla o item 16 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU: Paz, Justiça e Instituições Eficazes. Conheça os outros artigos dos ODS.