Casa da gestante, um porto seguro para as mães que enfrentam riscos
Reunidas numa sala, em círculo, como se estivessem numa sala de visitas, elas acompanham com interesse as explicações da enfermeira Rita de Cássia de Lima, numa aula sobre gestação. Rita está na rede da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), desde 92 e já trabalhou durante 13 anos na área de Obstetrícia. As gestantes, cerca de dez, a maioria bem jovem, não demonstram fazer parte de um grupo de risco. As fisionomias são tranqüilas e parecem felizes. Rita mostra como se situa o feto no útero, colocando numa mãe de papelão, chamada de Gertrudes, um nenê recortado, equivalente ao da 34º semana da gestação, de cabeça virada para baixo, que é quando o nenê se encaixa nessa posição. Rita conhece bem seu público, experiência adquirida nos contatos que mantém com as gestantes, semanalmente, na Casa da Gestante, para onde são encaminhadas, via policlínicas, todos os casos que exigem maior atenção no acompanhamento do pré-natal. Por ali passam, em sistema de vigilância constante, as gestantes muito jovens, aquelas que enfrentam problemas psicossociais, falta de estrutura familiar, analfabetas, drogadas, que rejeitam seus bebês ou que apresentem riscos obstétricos. Rita sabe quais as principais dúvidas e medos de seu público. E mesmo que as aulas de preparação ao parto, focalizem variados temas, como etapas do crescimento do bebê, ou cuidados com a higiene, ou como se deve amamentar, as perguntas versam normalmente sobre a hora do parto, o medo do desconhecido, uma ansiedade que transparece mais nas muito jovens, e nas mais velhas mas de primeira viagem. A Casa da Gestante, localizada na Av. Senador Dantas, é referência do sistema de Saúde para o pré-natal, que é um dos programas da Coordenadoria da Saúde da Mulher. No ano passado, cerca de 500 gestantes passaram pelos cursos, oficinas de artesanato, aulas de preparação ao parto, recebendo reforço de alimentação, apoio psicossocial, e ainda cestas básicas e enxovais, quando passam por dificuldades econômicas. Algumas que freqüentam o local são drogadas. Chegam normalmente à tarde, dormem muito, se alimentam, mas são acolhidas com carinho. O tempo que estão ali, ganham um atendimento digno e há mais chances de que o bebê nasça com saúde e sobreviva, até porque a vigilância prossegue, mesmo após o parto, dentro dos programas ´Recém-nascido de Risco´ e ´Nascer/Viver´, explica Ângela Cuófano, responsável pela Coordenadoria da Saúde da Mulher. SERVIÇO NOTA 10 A existência da Casa da Gestante é vista pelas freqüentadoras como um porto seguro. Mariluci Esteves Caldeira, 30 anos, na terceira gestação, é um dos casos de risco obstétrico. Anda de muletas, tem um lado do corpo paralisado, conseqüência de um tiro que levou na cabeça há três anos e que acabou atingindo a medula. Com duas gestações anteriores normais, seus primeiros filhos estão sendo criados pelas avós. O terceiro é um desafio. Foi difícil aceitar uma nova gestação, num quadro de dificuldades financeiras e com a saúde abalada. As aulas recebidas, o conhecimento melhor de seu corpo, o movimento do feto e sua formação em poucas semanas de vida, acompanhadas nos vídeos exibidos nas aulas, trouxeram modificação em sua forma de encarar o novo parto. É impossível não se emocionar, diz Mariluci, que acompanha também as aulas de artesanato, bordado, crochê, pintura, com muito interesse, assim como as demais atividades da Casa da Gestante. Encaminhada pela Seção de Apoio ao Deficiente Físico, que considera outra excelente iniciativa da SMS, assim como programas desenvolvidos pela Secretaria de Ação Comunitária e Cidadania (Seac), Mariluci deixou de trabalhar nos semáforos e diz que o amparo que vem recebendo é nota 10. Desse nenê que vem aí eu vou cuidar, afirma esperançosa. ENTRE FANTASIAS, A DURA REALIDADE Adriana Augusta, 20 anos, grávida do primeiro filho, queria ir para a França. Diz que estava tirando o passaporte para acompanhar o namorado que já viajou para lá. Quando ele soube da gravidez, foi embora, abandonou-a e nem quer que ela ocupe o casebre que ele deixou no Jardim Rádio Clube. Hoje mora de favor na casa de um primo, que já a convidou a sair de lá. Não tem nenhuma estrutura familiar. Seus pais vivem em São Paulo e passam por dificuldades econômicas. Ela conta sua história com doses de fantasia, como toda a jovem que sonha com viagens e príncipes. Não diz, por exemplo, como conseguiria comprar a passagem para um outro país. Ela conta que já trabalhou com venda de doces na biquinha, como ´baby-sitter´. É bonita e conversa bem. Mas está desempregada, grávida, e não tem para onde ir, é o que constata quando está com os olhos bem abertos. A Casa da Gestante lhe proporciona segurança. Tem orientação, alimentação, cuidados com a sua saúde, e diz que, apesar das dificuldades, tem convicção que vai conseguir colocar o nenê, quando nascer, numa creche e trabalhar. Cheguei a passar fome e pensava, se o meu bebê, ainda no ventre, já passa fome, o que será quando ele nascer? Mas aqui eu sinto que tenho apoio. NÃO SABE LER E QUER UMA VIDA MELHOR Analfabeta, Maria Eunice Nunes, 25 anos, tem um bebê no colo, de um ano e três meses, gordinho e bem tratado. Nasceu com lábio leporino, mas foi operado aos três meses, e hoje está bem. Na barriga, outro a caminho. Mora no Centro da Cidade, o marido ganha pouco, insuficiente para o aluguel. Muitas vezes falta alimentos em casa. Na Casa da Gestante conseguiu, além dos cursos, apoio nutricional e psicossocial, o recebimento de uma cesta básica mensal. Seu sonho: uma vida melhor, com mais estrutura, e filhos vindos na hora certa. Maria Eunice é uma forte candidata para o ´Programa de Planejamento Familiar´, que também integra os serviços da Coordenadoria da Saúde da Mulher, que conta com uma equipe multidisciplinar realizando palestras e divulgando métodos anticonceptivos. PLANEJAMENTO FAMILIAR REGISTRA l.l70 ATENDIMENTOS Pelo ´Programa de Planejamento Familiar´, desenvolvido em cinco policlínicas de referência - Embaré, Marapé, Conselheiro Nébias, Morro do São Bento e Centro de Saúde da Areia Branca -, cerca de l.l70 mulheres passaram no ano passado e optaram por um dos métodos adotados pela rede, com acompanhamento dos serviços de Saúde. No ano anterior, o serviço, formado por equipe multidisciplinar, incluindo médico, enfermeiras, psicólogos, assistentes sociais, havia atendido 909 mulheres. Ou seja, vem crescendo o número de mulheres que buscam opções para um planejamento de filhos, escolhendo o método anticoncepcional que melhor se adapta à sua saúde e à vida conjugal. Pelas estatísticas da Coordenadoria da Saúde, no ano passado 95 optaram pelo DIU, quatro utilizaram o diafragma, enquanto 73 mulheres preferiram as pílulas anticoncepcionais e 51, as injeções. Já 68 casais utilizaram preservativos, enquanto 92 colheram informações, sem uso de nenhum método. Houve ainda 186 maridos ou companheiros que passaram pela vasectomia e 600 mulheres optaram pela laqueadura, métodos que podem ser utilizados dentro de padrões recomendados pelo Ministério da Saúde, que prevê número de filhos, idade, entre os critérios, para que não ocorram arrependimentos. Os hospitais da rede realizam as operações gratuitamente.