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Os anônimos construtores de bondes

Publicado: 8 de julho de 2008
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Até onde se tem notícia, não há no Brasil nem tampouco em toda a América do Sul alguém, nos últimos anos, literalmente construindo bondes. Mas na CET-Santos (Companhia de Engenharia de Tráfego de Santos) tem, e não é de agora. Na verdade, desde 1999, uma equipe altamente especializada da própria empresa, que traz experiências acumuladas do serviço de bondes e de ônibus da antiga CSTC, começou a realizar o difícil trabalho de restauração dos veículos elétricos, a partir de um bonde aberto que encontrava-se defronte do Orquidário Municipal como atração turística. Transportado numa operação especial às garagens da CET para se levar a efeito um projeto da prefeitura de volta dos bondes, com vistas à criação do Museu Vivo do Bonde, começava aí a delicada reconstrução de exemplares já fora de circulação. Ou seja, sem condições de trafegar, tanto pela precariedade dos veículos, quanto pela inexistência da rede permanente (trilhos com bitola adequada) e da rede aérea de energia. O restauro desse primeiro bonde partiu não só do conhecimento dos profissionais da CET, constituída de mecânicos, eletricistas, carpinteiros, funileiros, pintores, engenheiros etc, mas do empirismo desse mesmo pessoal, que utilizou-se de indícios encontrados na pouca literatura a respeito, cópia de peças e até informações verbais de alguns testemunhos. Esse primeiro bonde elétrico, após quase um ano de minucioso trabalho, foi colocado em circulação em setembro de 2000, na recém-construída rede de 1.700 metros de extensão, entre a clara emoção de quem dele participou e muitas lágrimas de tantos santistas que voltaram no tempo. Depois do bonde aberto, já com um ‘know-how’ mais afiado, mas não menos difícil, a equipe da CET encarou o desafio de outros elétricos. Vieram o bonde fechado ‘camarão’ em janeiro de 2002, que estava semi-abandonado e chegou a servir de recreação para crianças de uma creche, e o primeiro exemplar dos três bondes doados pela lusitana cidade do Porto à prefeitura. Sem falar na restauração que realizaram mais de uma vez no bonde fechado do Gonzaga, que serve de posto de informações turísticas, e no reboque que circula pelo Centro Histórico atrelado ao bonde aberto. SEM DORMIR Neste momento, a equipe da CET está concluindo em pouco mais de quatro meses, a completa restauração e reforma do segundo bonde português, o de prefixo 171, número da linha original na cidade do Porto. Do grupo de quase 20 pessoas que estão trabalhando nesse veículo, estão o Vander e o Rocha, dois carpinteiros de mão cheia, como se costuma dizer. Eles explicam que praticamente 80% do bonde é em madeira: E foi confeccionado tudo novo, algumas poucas peças foram aproveitadas, e usamos somente material nobre, de primeira qualidade. Toda a parte de metais foi para fundição e polimento fora da CET, incluindo a usinagem do ‘truck’ (material rodante do bonde), e nesta parte, o apoio especializado do Senai foi fundamental. Chegamos a ficar acordados à noite, sem dormir, só pensando se as peças iam dar certo, se vamos chegar ao final do trabalho com sucesso, confessam os integrantes da equipe da CET. Bancos, janelas, assoalho, forro e acabamentos em geral são todos confeccionados pelos ‘artistas da madeira’ na carpintaria da empresa. Na reforma, só para se ter uma idéia da dimensão do trabalho, já foram utilizados mais de 20 mil parafusos de várias medidas e 100 metros cúbicos de madeira de lei, só nos lambris foram 50 m³. Os dois motores do bonde necessários ao seu funcionamento estão sendo restaurados fora, mas toda a parte elétrica, coordenada pelo eletricista José Luiz, está sendo instalada pela equipe. Até agora foram gastos 500 metros de cabos e 100 metros de fios flexíveis. Na seqüência, já está entrando o trabalho de pintura das laterais do bonde, com predominância da cor verde original, feito pelo Rulian, rigoroso nos detalhes, e o lixamento e envernizamento do madeirame, liderado pelo mestre Amaro e seus auxiliares. O lado profissional de todos nós foi enriquecido, isto é uma obra-prima, o maior desafio é fazer peças que não existem, temos que imaginar. É quase como criar uma criança, ou lapidar um diamante, resumem com orgulho esses profissionais.