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Diretores refletem, em Santos, sobre o futuro do cinema no Brasil, com ou sem tecnologia

Publicado: 26 de julho de 2022 - 13h47

Os meios de produção, exibição e consumo do audiovisual estão se transformando rapidamente e a cada ano é necessário se adaptar sem que haja tempo para uma reflexão. Mas ao menos por quase duas horas, os três diretores convidados para a troca de experiências no palco do Teatro Guarany, em Santos, buscaram refletir sobre o futuro desse universo no Brasil, tendo como noção em comum a velocidade de mudanças e o que esperar do cenário.

Sob mediação do escritor e também realizador José Roberto Torero, a conversa, parte da programação cultural do Encontro das Cidades Criativas da Unesco, contou com o carioca Cavi Borges, produtor e agitador no cenário carioca, o goiano Adirley Queirós, baseado na Ceilândia, e do santista Dino Menezes. Este substituiu Alexandre Werá, representante guarani mbya, que por imprevistos não conseguiu comparecer ao debate.

Até por serem profissionais de um cinema bastante independente, feito com orçamento baixo na base da cooperação, fora dos núcleos e moldes mais tradicionais no País, pensar o amanhã não costuma ser o hábito dessa turma. “Se eu for parar e pensar, eu não faço, desisto”, diz Adirley, acompanhado pelo colega Cavi. “Eu não consigo pensar daqui a dez anos, e na verdade nem gosto; meu planejamento é para o dia seguinte, e o outro, no máximo”.

Dono da Cavideo, produtora e locadora localizada no centro comercial da Cobal, no Rio de Janeiro, o ex-judoca é um resistente acostumado à “viração”, como a de transformar um dinheiro conquistado em edital público para finalização em quatro curtas-metragens, feitos com equipes pequenas que ajustam sua agenda para atender outras produções maiores e mais rentáveis.  “Eu vou fazendo, não importa como, com que qualidade, como vamos mostrar os filmes etc”.

Ele reconhece que o fluxo das formas de produção e visualização deu uma acelerada nos últimos anos, e a pandemia apenas antecipou um contexto que iria se dar de todo modo, com o streaming, o consumo por celular, e mesmo todo tipo de material feito com o aparelho. “Democratizou, qualquer um pode fazer um filme, mas teremos que aguardar um tempo ainda para ver onde isso nos leva, se vai durar, se haverá um filtro etc”.

Dedicado ao gênero do terror, Dino também é um diretor habituado às poucas condições de estrutura para filmar, e isso se consolidou ainda mais na pandemia, lembra. “Quando tudo parou, claro que sabia não poder mais batalhar do mesmo jeito de sempre, correndo atrás de um edital aqui, outro ali; então sentei na frente do computador, trabalhei com as tecnologias de que dispunha, e fiz meu novo projeto, uma animação de terror, em casa”.

Ele acredita que com a chegada de novas alternativas como o metaverso, edições on-line serão cada vez mais frequentes, mas duvida que uma produção mais convencional irá diminuir ou desaparecer. “Sempre houve e haverá esses dois caminhos, inclusive poderão colaborar, render parcerias muito bacanas”. Dino lembra que são essas tecnologias que proporcionam a grupos sociais com menos oportunidades de se exprimirem, falarem por si mesmos.

No caso de Adirley, seria razoável esperar que uma produção adepta da ficção científica como a dele, sugerisse maior conveniência para um exercício de futurologia. O diretor de Branco Sai, Preto Fica (2014), contudo, tem os pés bem fincados no chão por saber que a estrutura e as condições de que dispõe tem mais a ver com a realidade do entorno, da problemática cotidiana das pessoas da Ceilândia, umas das comunidades formadas pelos trabalhadores egressos, à força, da construção de Brasília. “Ali, a ficção científica não é o futuro, é o passado”, reflete. “Porque as dificuldades, os absurdos de como se vive ali, já teve que ser vencido naquele dia, porque está vindo outro”. 

Daí preferir comentar mais os sentidos de oportunidade e formação quando fala da sua trajetória, um ex-jogador de futebol maravilhado um dia com o campus da Universidade de Brasília, a UnB, onde decidiu ir estudar no curso com a nota de corte mais baixa no vestibular. “Foi assim que ingressei no curso de cinema, só possível por se tratar de uma universidade pública, pois o acesso à educação nesse país parece ser outra ficção científica”.

O que importa a ele é fabular histórias, o imaginário local, pois a tecnologia que vale mais é a do corpo humano, que trabalha para o resultado pretendido melhor que muitas opções disponíveis. “Eu só fico olhando a esquina por onde os moradores passam, com seus jeitos e achados para sobreviver, conseguir o que querem na vida”. Quem já assistiu a seus filmes, sabe que ele e sua equipe restrita e colaborativa são capazes de fazer voar a imaginação.