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No coração de cada mãe santista, histórias de desafios, superação e amor

Publicado: 9 de maio de 2021 - 2h41

por Andressa Luzirão

 

Coragem, resiliência, superação e inspiração definem Inês, Wellington, Mariza, Tatiana e Maria Estela. Por trás de cinco nomes, a personificação do substantivo feminino “mãe”, aqui representado para além do gênero, da forma e dos laços biológicos. A razão pelo qual os faz ter esse posto também tem nome: Ana Júlia, Miguel, Gael, Davi e 23 bebês com um colo garantido.

Se no jornalismo é preciso escolher o que é mais importante para estar em um texto, aqui esse critério se torna ínfimo frente às histórias tão marcantes desses personagens da vida real, que são unânimes em dizer que a maternidade-paternidade é transformadora e que não se descreve tão facilmente em palavras. Então, esse texto é como coração de mãe, cabendo muitas histórias. Afinal, o que tem nesse coração materno, se não um indizível sentimento de amor?

E é com esse coração, onde sempre cabe mais um, que a pedagoga aposentada Inês Bordinhon, 67 anos, moradora do Embaré, já acolheu 23 bebês ao longo de dez anos, por meio do programa Família Acolhedora, desenvolvido há 16 anos pela Prefeitura de Santos como alternativa ao acolhimento institucional – o período com a guarda da criança varia, em média, entre seis meses e um ano, com limite de dois anos.

Na parede de sua sala de jantar, lá está o retrato de cada um deles. É neles que seus olhos se voltam vez ou outra e trazem à tona a memória do tempo que permaneceram em sua casa. “Tem criança que passou por aqui, que foi adotada e já foi viajar para o exterior. Outra já tem cidadania americana. Tem um que fala inglês. Outro é baterista. A esperança de ver o resultado desse trabalho é o que me impulsiona”, diz ela, que tem quatro filhos biológicos adultos e dois netos adolescentes.

Há 12 anos, Inês ficou viúva, quase entrou em depressão, mas teve um despertar: “Vou fazer alguma coisa boa para preencher esse vazio que existe dentro de mim”. Até que conheceu o Família Acolhedora, se inscreveu, fez capacitação e depois de três meses começou a acolher bebês. Nunca mais parou.

A relação da família biológica com os bebês acolhidos é a melhor possível, conta. “A criança que chega cura a dor da gente, traz alegria para toda a família. Eles são apaixonados, dão apoio, me ajudam com tudo o que é preciso. Esse trabalho une a família, a vizinhança, os amigos. Todos se voltam para ajudar. Meu círculo de amizade aumentou e a família se aproximou mais. É mágico”.

 

Colo aconchegante

Conta com seu colo atualmente um menino de 2 meses e meio, com ela desde os 8 dias de vida – tinha ainda o coto umbilical. Às 6h ela está de pé, toma banho, faz café, dá banho no bebê, faz mamadeira, troca a fralda, lava roupa e, depois, mamadeira de novo. “É mamadeira 24 horas por dia, a cada duas horas, três horas. Ele é guloso”.

Como toda mãezona, leva ao pediatra, põe para tomar sol, cuida da vacinação, verifica se há alguma mancha na pele, se dorme bem, se fez cocô, se sujou o berço e percebe a roupa que já perdeu porque cresceu. “A gente dá bastante amor e resgata o que eles perderam, a confiança e o carinho. Quero que eles encontrem o que eles necessitam dentro da minha casa e dentro do meu coração”.

Mas Inês não só se doa; também recebe. “À noite a gente dorme tranquilo, sem remédio, sem ficar preocupada. Chego até a esquecer o coronavírus. Não quero trocar essa vida. Enquanto eu tiver forças, estarei fazendo isso. Faço com tanta alegria, que não pesa. É um trabalho divino. Vejo a presença de Deus em todos os momentos”.

 

Passarinho sai do ninho

No momento em que é preciso a criança sair da casa, Inês domina seu sentimento e lembra do passarinho no ninho. “A passarinha, quando percebe que o filhinho dela está cheio de asinha, o empurra para fora. Ele cai, tenta uma vez, outra, até que sai voando. É assim que me doutrino todo dia para o momento da despedida. A gente tem que preparar o nosso coração e o da criança também, porque são bebês, mas sentem. Isso se chama amor incondicional”.

Depois, a família biológica, ou a adotiva, faz visitas e envia fotografias da criança para ela. “Fico emocionada de ver como eles retornam. É uma sensação de dever cumprido. Digo que cada criança deixa uma marca em nosso coração e na memória. E esse trabalho me fez enxergar mais a responsabilidade e a solidariedade que temos com o outro nesse mundo”.

 

 

O “PÃE” DE ANA JÚLIA

Oficial administrativo na Prefeitura, Wellington Paulo da Silva Araújo, 39, não imaginava a transformação que Ana Júlia, hoje com 2 anos e 9 meses, causaria em sua vida. A menina risonha de cabelo encaracolado chegou em seus braços aos quatro meses. Ela é filha de uma prima distante, falecida em 2018 aos 21 anos. A avó materna da menina também é falecida e o avô vive em contexto de vulnerabilidade social, na periferia de Guarulhos (SP).

A família pediu a ele que trouxesse Ana Julia para Santos e desse uma oportunidade de vida diferenciada a ela. “Naquele momento eu ainda estava assustado com tudo o que poderia acontecer, com o impacto dela na minha vida, e fui atrás de saber como seria judicialmente trazê-la para cá. Já tinha vontade de adotar, mas nada muito intenso até por conta da burocracia que é uma adoção”.

Ele conseguiu a guarda, se tornou “pãe” e cuida dela sozinho. “Neste momento de privações com a pandemia, brincamos em casa de adivinhações, pega-pega, esconde-esconde, dançamos. Sou criança com ela”. Um dia marcante, para ele, foi quando Ana Júlia o chamou de pai pela primeira vez. “Estávamos na praia. Caí no choro”.

 

Força de guerreira

Segundo Wellington, não há tempo ruim para Ana Júlia. “Ela se machuca e daqui a pouco está sorrindo. Ela já veio ao mundo com resiliência e força de guerreira. Ana Júlia tem uma luz muito forte”, se emociona, contando que se encanta em acompanhar todas as fases de desenvolvimento dela, como quando começou a falar e a engatinhar.

“Estou condicionado à criação e à educação dela, quero fazer sempre o melhor por ela, por nós. Somos uma família. Antes, eu tinha uma vida focada em mim, agora tenho um ser que depende de mim. Outros valores começaram a ser mais latentes na minha vida. Sou outra pessoa, muito mais feliz que antes. Só tenho a agradecer a Deus por essa missão e por ela ter me escolhido”.

 

 

GAEL, A MELHOR NOTÍCIA DE UMA JORNALISTA

A jornalista santista Tatiana Aude, 38, mãe de Gael, 4, alimentava o desejo de ser mãe desde os 32, quando morava no Rio de Janeiro, vendo as irmãs mais velhas se tornarem mães. “Comecei a me cobrar em relação ao tempo e cheguei a procurar preço de congelamento de óvulos para poder desencanar um pouco”, conta.

Em maio de 2015, um mês após voltar para Santos, conheceu o pai de Gael e, pouco mais de um ano, com os objetivos de vida alinhados, engravidou. “Foi a melhor notícia da minha vida. É a maior alegria. Todos os dias agradeço a Deus por ter me dado a oportunidade de ser mãe dele. Ao nascer um filho, nasce uma vida que merece muito amor e respeito. E ser mãe ou pai é colocar o filho em primeiro lugar”.

Mas quando ele tinha 1 ano e 10 meses, o casamento dela acabou. “O desafio é manter a saúde, a energia e o ânimo diários, porque há dias em que estou cansada e só quero chegar em casa e descansar. Mas, no caso de mães como eu, que moram sozinhas com o filho, essa opção não existe. O filho exige atenção, cuidados de alimentar, dar banho, brincar e nós acabamos abrindo muito mão de nós, abafando, inclusive, nossos sentimentos, para dar conta de tudo”.

 

O pequeno grande professor

Que a maternidade é aprendizado diário Tatiana não tem dúvidas e considera ser uma aventura, “talvez a maior que alguém pode viver”. “Você se esgota em todos os sentidos, se doa 100% para alguém, esquece completamente de si e, ainda assim, faria tudo de novo e se enche de emoção ao olhar aquele serzinho maravilhoso crescendo debaixo das suas asas. Eu amo ser mãe. É o papel que eu mais gosto de exercer na vida. Gael é meu grande professor”.

Há quem duvide que uma criança possa ensinar a um adulto. Mero equívoco, reconhece a jornalista. “Eu era muito desligada, avoada, só pensava em projetos e conquistas para mim. Ele me ensinou o que é amor incondicional, a ter mais inteligência emocional e até a confiar mais em mim mesma”.

 

 

UM GATO PARA CHAMAR DE FILHO

Quem tem animal doméstico em casa sabe bem o quanto eles são como filhos. Assim é para a também jornalista Maria Estela Galvão, 47, que conheceu seu filho Davi por acaso, pela internet, na página da ONG Viva Bicho. Ao ver uma postagem de uma das veterinárias da entidade com ele, teve uma crise de choro. “O jeito dele me tocou que peguei meu carro e fui pra lá. Acho que ele estava me esperando, senti um sentimento urgente de correr para ele e trazê-lo para mim”.

Na ONG, ela foi logo dizendo: “Gostaria de ver o Sardinha!”, seu nome, na época, por ser muito magro, cinza e comprido. Uma mobilização se instaurou entre a equipe da entidade, afinal ele estava havia meses ali e sem perspectiva de ser adotado - Davi é um gato SRD (Sem Raça Definida) adulto, de 7 anos, e deficiente (não tem uma das patas). Veio de uma tutora que tinha outros gatos. Chegou na ONG desnutrido, anêmico e com a pata destroçada. Foi atendido na Coordenadoria de Proteção à Vida Animal (Codevida), da Prefeitura, e, de lá, encaminhado para a ONG. Teve a pata operada e foi castrado.

Maria Estela, então, decidiu adotá-lo em agosto de 2019, em um momento de grande transformação em sua vida. “Ele veio para acelerar essa transformação. Não sou mais a mesma pessoa de antes. Os valores e o jeito de pensar mudaram completamente com a vinda dele”.

Davi não se dá com cães e gatos, só com gente e, por conta disso, ficava isolado na ONG. “Foi amor à primeira vista quando o vi. Sentei-me com perna de índio e ele veio cheio de dengo. Podia estar acuado, mas veio até mim. É simpático, dócil, bem-humorado e manhoso”.

 

Duas semanas de gestação

Para levá-lo para casa, Maria Estela viveu duas semanas de “gestação”, com preparativos como instalação de telas na casa e compra de ração, além contar para todo mundo a boa nova. “Ele chegou num sábado, na hora do almoço. No começo da noite já estava plenamente adaptado em casa”.

O nome dele foi um insight, diz ela. “Pensei: vai ser Davi! Acho que foi meu subconsciente dizendo a mensagem de gigante e lutador”. A presença dele transformou sua rotina e sua vida. “Ele é muito presença, não se esconde quando tem gente na casa. Me ensinou a ter mais paciência, tolerância e ser mais sensível à causa animal. Isso me toca no fundo do coração. Tenho preocupações de mãe, é um filhote que a vida me deu”.

 

 

MÃE MULTI DE MIGUEL

O motivo da nutricionista Mariza Sales, 35, ser multitarefa tem nome: Miguel, 10 anos. Ela vende comida congelada, faz arranjo de balão para festas e é nutricionista do Corpo de Bombeiros, tudo para dar conforto ao filho que cria sozinha e com quem aprendeu a jogar futebol e videogame e a empinar pipa.

Miguel é fruto de um relacionamento não estável. No início da gestação, ainda tentaram se relacionar, mas quando o filho completou 4 meses, o pai foi embora para Minas Gerais. Nessa trajetória, várias batalhas diárias. Desempregada por um período, ia trabalhar de bicicleta para economizar dinheiro da condução. Mas chegou um momento que ela precisou trocar o próprio meio de transporte por um pacote de fraldas e um quilo de leite ninho. Passou a ir trabalhar a pé. “Hoje pago aluguel e não deixo faltar nada”.

Desde então, ela se divide entre três empregos e Miguel, um menino comunicativo, educado, responsável, apegado aos avós e “muito família”, como ela o define. “Hoje, Miguel já sabe se virar, esquenta a comida dele, arruma a cama, tira o lixo do banheiro”, se orgulha. Para ela, o maior desafio de ser mãe solo é manter o equilíbrio. “Ser pai e mãe ao mesmo tempo é muito difícil. São várias funções que se dividem em um casal comum, mesmo sendo separados. A parte mais fácil é a do dinheiro; a mais difícil é o psicológico”.

 

O freio da maternidade

Que toda mãe perde a identidade quando o filho nasce isso é fato. “Não sou mais a Mariza, mas a mãe do Miguel. A maternidade foi meu freio. Aprendi a ser mais calma, a pensar mais, a não tomar atitudes precipitadas, pois sempre fui muito impulsiva”.

Ainda na maternidade, quando a enfermeira o levou chorando para seus braços, ela lembra que ele suspirou e parou de chorar. “Ali, eu disse: ele é meu bebê, meu parceiro. E é meu parceiro mesmo”.

Galeria de Imagens

#pracegover à mesa de casa com pães e doces, Mariza e Miguel se olham sorrindo
Mãe de miguel, Mariza diz que "ser pai e mãe ao mesmo tempo é muito difícil" - Foto: Susan Hortas
#pracegover no quarto de casa, Tatiana, sentada ao chão, olha para Gael, que está em pé
Tatiana, mãe de Gael, fala da emoção de acompanhar o crescimento do filho - Foto: Susan Hortas
#pracegover no sofá de casa, Maria Estela beija o gato Davi
"Sentimento urgente" levou Maria Estela a pegar o carro para buscar o gato Davi - Foto: Susan Hortas
#pracegover no sofá de casa, Welllingon e Ana Júlia posam sorridentes para a foto
"Sou outra pessoa, muito mais feliz que antes", diz Wellington, que cuida sozinho de Ana Júlia - Foto: Susan Hortas