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Libras nas escolas de Santos: inclusão da sala de aula para a vida

Publicado: 11 de julho de 2019 - 16h28

É aula de Língua Portuguesa, turma do 7º A, escola municipal Pedro II, bairro Ponta da Praia, em Santos-SP. A partir do poema Paraíso, de José Paulo Pais, escrito na lousa, a professora Eliana Márcia Pinto explica aos alunos os modos indicativo, subjuntivo e imperativo dos verbos. Ela contextualiza a gramática com a causa ambiental, tema do poema, para que o conhecimento faça sentido ao dia a dia dos estudantes. Simultaneamente, a intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), Luciana de Cássia Lopes, traduz o conteúdo a Nathan Nascimento de Araújo, 12 anos, e Rayane Sakamoto Tobias, 15.

Os dois estão entre os 38 estudantes com surdez matriculados no ensino fundamental da rede municipal, atendidos por 22 intérpretes em todas as unidades, sendo a Pedro II e a 28 de Fevereiro (Saboó) consideradas escolas polos na Cidade para este público. Ambas contam com Salas de Recursos para Atendimento Educacional Especializado (AEE) para alunos com surdez, além da sala de aula regular. "A Libras me ajuda a aprender e a me desenvolver. E não consigo estudar se não tiver uma intérprete", diz Nathan, em Libras, revelando que adora matemática.

Ao circular pela unidade é possível perceber que ali se vive a inclusão social na prática: há placas de acessibilidade; alfabeto em Libras nas paredes; intérpretes em salas de aula; estudantes cantando o hino de Santos e do Brasil em Libras no pátio, durante momento cívico, e alunos ouvintes (que ouvem) e surdos em plena comunicação.

“A Pedro II é uma escola que recebeu o surdo incluído na sala regular desde 2000, então é natural a relação das crianças. E as intérpretes fazem um trabalho para que alunos ouvintes conversem com alunos surdos, sem necessitar o tempo todo da presença delas para fazer a comunicação, para que haja cada vez mais independência nas relações”, explica a professora de Educação Especial, Margaret Pereira, que atua na sala de recursos para alunos com surdez da Pedro II.

O resultado de todo esse trabalho se resume na palavra autonomia, revela a educadora. “Observamos que alunos que chegaram totalmente dependentes, de termos que segurá-los pela mão e levá-los pelo braço, estão hoje com mais autonomia. A inclusão só realmente acontece quando a gente percebe que o aluno surdo consegue se virar no recreio ou em sala de aula mesmo com a presença da intérprete”.

 

O intérprete, um elo com o mundo

O tradutor e intérprete de Libras é, para a pessoa surda, um verdadeiro elo de comunicação com o mundo. A aluna Rayane não hesita em dizer: “É melhor ter junto uma intérprete comigo". Além de surdez, a menina tem baixa visão e, por conta disso, usa um plano inclinado de madeira sobre a mesa para apoiar seus livros e cadernos.

Da Matemática a Ciências, esses profissionais atuam em todas as disciplinas, estabelecendo uma relação de confiança com o aluno e o professor, ressalta a intérprete Luciana. “É mais que isso, é cuidado e trabalho conjunto na busca de resultados satisfatórios. Além de sermos um canal comunicativo entre professor-aluno e alunos-colegas de classe, somos a ponte entre os professores das disciplinas e os do AEE”.

Para ela, o planejamento em parceria é imprescindível. “Alguns professores já trazem conteúdos em Libras, um vídeo por exemplo”, explica. A professora Eliana é uma das que insere material visual. “Eles são muito visuais e os assuntos, às vezes, muito abstratos. Ter o conteúdo nesse formato é bom para todos”, conta ela, salientando que os estudantes são muito acolhidos na classe.

Com boa oralidade, Nathan conversava em Libras com a intérprete Luciana sobre o lixo que viu no mar durante atividade do Escola Total, programa desenvolvido fora do horário regular de aulas e que integra a política de educação integral das escolas municipais de Santos. “Pode causar doenças”, dizia ele à intérprete.    

 

SALA DE RECURSOS

 

Após a aula regular, com acompanhamento da intérprete em sala, os alunos surdos permanecem na escola para o Atendimento Educacional Especializado na chamada Sala de Recursos. Ali são pensadas as estratégias e feitas as adaptações de provas, e também onde são trabalhadas, diariamente, a oralidade, o Português na modalidade escrita, a expressão facial e corporal e a Libras, tudo por meio de jogos, livros, dicionários e site educacionais. “Quem pensa que a sala de surdos é silêncio está enganado. Aqui é falatório o tempo inteiro”, brinca a professora de Educação Especial Margaret.

 

LIBRAS NAS AULAS

 

Na Dom Pedro, alunos ouvintes e surdos têm aulas semanais de Libras durante as disciplinas no ensino regular. Tudo planejado entre professores e intérpretes. Além disso, outra professora, Karoline Amparo, uma das vencedoras do Prêmio Educador Santista 2018, desenvolve projeto na unidade para alunos e familiares.

 

No movimento da inclusão, ela quer ser intérprete

 

As mãos de Yasmim Cavalcanti Neres dos Santos, 12, fazem um verdadeiro movimento de inclusão. Ela é aluna ouvinte, mas de tanto gostar de Libras, enquanto conversa com outro ouvinte, não para de movê-las, como se quisesse lembrar a todos a importância desta comunicação na vida cotidiana de quem não ouve.

E é especialmente por amizade que ela quis aprender Libras, considerada a 2ª língua oficial do Brasil. “Tenho vários amigos com dificuldade de audição aqui na escola e eu queria aprender para ficar mais fácil de me comunicar com eles. Queria entendê-los e fazer com que eles me entendessem”, disse a menina, que ensinou a língua de sinais para a família.  

Como toda criança quando se junta com outra, ela, Rayane e Nathan conversam no intervalo, brincam de pega-pega e de jogo da memória em Libras, ocasião em que Nathan formou a palavra ‘amor’ na Língua Portuguesa, expressando ali os laços de afeto com as colegas. E com todo aprendizado adquirido - e exemplo que dá ao mundo -, Yasmim é decidida sobre seu futuro: “Quero ser intérprete”.

 

PROFISSÃO EM CRESCIMENTO

 

Regulamentada pela lei federal 12.319/2010, o tradutor e intérprete de Libras é uma profissão em crescimento, acredita a Congregação Santista de Surdos em razão do aumento da procura para o aprendizado. “Há quatro anos, abríamos média de seis turmas anuais para curso livre. Só esse ano, já estamos indo para a 16ª. Em 2018, foram 440 alunos e, em 2019, são 240 já participantes ou cursando. Muitos vêm com o propósito de aprender para ser intérprete”, afirma Alessa Alves, coordenadora dos cursos da entidade, informando que em agosto será iniciado o de tradutor e intérprete.

Para difundir a língua a todos os interessados, a Prefeitura também oferece desde 2007, na Pedro II, curso gratuito de Libras para funcionários da Secretaria de Educação (Seduc), equipe técnica das escolas, demais funcionários e público em geral. Nova turma inicia em agosto, já com inscrições esgotadas. O curso, para pessoas acima de 18 anos, é dividido em três módulos, com carga de 180h ao longo de um ano e meio, quando serão ensinados vocabulário, cultura surda e gramática de Libras. Neste ano já foram 60 participantes. As vagas para nova turma serão abertas em dezembro, com início em fevereiro de 2020. As informações serão publicas no Diário Oficial de Santos.

 

CORAL E DANÇA

 

Do curso de Libras surgiu o ‘Coral Mãos que Encantam’, formado pelos participantes, que se apresentam em eventos da Seduc e nas edições da Virada Inclusiva de Santos, organizada pela Secretaria de Desenvolvimento Social da Prefeitura. Na unidade, também é realizado o projeto ‘Sentindo a Música’, curso de dança gratuito voltado para surdos de toda a comunidade. As aulas, que englobam dança de salão, forró e samba, serão retomadas em agosto.

 

Para além da escola

 

Nas unidades escolares, a Prefeitura também conta com profissionais surdos atuando no ensino de Libras. É o caso de Patricky Borges, 21, morador do Guarujá, que nasceu com surdez. Ano passado, ele começou a trabalhar no Escola Total, lecionando para crianças entre 5 e 10 anos. Foi sua primeira oportunidade de emprego. “Elas têm muito interesse e pode ser útil no futuro, até mesmo em relação a trabalho, visto que mais atenção está sendo dada à nossa língua atualmente. Acredito que as crianças, futuramente, contribuirão para a convivência entre surdos e ouvintes na sociedade”.

Ele trabalha em conjunto com o também intérprete Thyago Neves Silvestre Antônio, 32, de São Vicente, que é ouvinte e vê na função uma profissão em ascensão. “A necessidade de intérpretes é muito grande e a quantidade de pessoas habilitadas para as vagas é pequena. Não importa a área em que um profissional atue, saber Libras é um diferencial, pois os surdos estão em todos os lugares e fazem uso de diversos serviços como nós”.

Para Margaret, professora de Educação Especial da Pedro II, é preciso pensar para além dos muros da escola. “Na sociedade, eles não têm esse atendimento no supermercado, no hospital, na delegacia, na farmácia. O que toda comunidade surda espera é que isso realmente se amplie, para que em qualquer lugar que eles passem tenha alguém para fazer a comunicação”.

 

Na pedagogia pela inclusão

 

A dona de casa Maria de Lourdes Medeiros de Abreu, 55, se considera uma ‘mãe briguenta’ pela inclusão. A filha Larissa Mariane, 25, perdeu a audição aos 3 anos. “Vegetou por seis meses. Quando voltou a se movimentar teve como sequela a perda da audição”, conta a mãe, que, a partir dali, levantou a bandeira da inclusão pela filha.

Ex-aluna da rede municipal de ensino, desde 2017 a jovem voltou ao ensino público para, desta vez, compartilhar seu conhecimento em Libras a alunos ouvintes na escola municipal Andradas II. Mas a mais recente conquista de Larissa foi entrar para o curso de Pedagogia da Unip-Santos e ter, como colega de turma, a própria mãe.

“Passei no vestibular para serviço social e minha filha para pedagogia. Ela conta com uma intérprete na sala, mas eu frequentava as aulas para acompanhá-la e me interessei. Decidi ficar na pedagogia, pois tenho a prática da inclusão na vida. Agora quero a teoria para falar de igual para igual na minha luta”, diz Lourdes, que é presidente da Associação Abrindo Fronteiras para a Inclusão desde 2009.

Larissa se descobriu professora na oficina de Libras com crianças. “Amo o que faço e as crianças aprendem com mais rapidez e crescem tendo consciência da importância de se comunicar e respeitar, diminuindo o preconceito por meio do conhecimento”.